Série Drogas: reabilitação verdadeira ou passageira?

Liliane Dias
Tubarão

Sabe aquele ditado que diz que ‘a ocasião faz o ladrão’? Pois bem, ele é um retrato que expressa bem a importância de um dependente químico manter distância de alguns lugares e pessoas. Isso se aplica tanto para aqueles em recuperação, quanto os que já estão há algum tempo ‘limpas’.

Assim, as pessoas que trabalham constantemente com os adictos, afirmam que é preciso se manter vigilante, pois a luta é uma constante para os que enfrentam e ainda enfrentarão o problema com a dependência. O que abre um novo tema para a série sobre drogas.

O administrador e responsável técnico da Comunidade Terapêutica Renascer, Yury Sidney Mendes, conta que os grupos de autoajuda podem garantir que um dependente não recaia, independentemente do tempo que saiu da droga. “Em alguns grupos existem um quadro que diz, ‘evite’ e ‘procure’. O que se deve evitar e o que se deve procurar”, explica.

Ele diz que no ‘evite’ as primeiras palavras são: hábitos, lugares e pessoas de ativa. “Há aqueles que gostam de jogar um futebolzinho, mas há problemas com o alcoolismo. Normalmente após o jogo, eles fazem um churrasco e bebem bastante. Então para os que possuem problemas com álcool, o habito de jogar futebol não é saudável. Assim como andar de skate na praça, não são bons hábitos para quem quer se manter limpo das drogas ou álcool”, detalha.

Yury reforça que evitar hábitos e lugares de ativa e a busca por grupos de autoajuda, contribuirá no processo de recuperação. Já os contatos com igreja e grupos que trabalham espiritualidade faz com que as pessoas acabem se distanciando de grupos de ativa. “Evitando lugares, pessoas e hábitos evito pessoas erradas”, pontua.

Para o responsável técnico, se o local onde se trabalha, também apresentar questões que prejudiquem o usuário será necessário sair do serviço. “De início, evitar é um grande passo, mas muitas vezes as pessoas buscam internação para se isolar dos locais que são de ativa. Um exemplo é uma pessoa que tem problemas com bebida e trabalha em um bar. Isso dificulta o processo”, assegura.

 

Perda do controle

A partir do momento que se tem o diagnóstico de perda de controle é necessário buscar um grupo de autoajuda. “Eles trabalham não só a questão da dependência, mas todo um processo de 12 passos, 12 princípios e 12 conceitos. Faz com que a pessoa trabalhe em relação aos outros e que recupere a sua autonomia. A partir do momento em que não consegues mais viver sem usar ou sem beber, comprova a perda do controle”, afirma Yuri.

O administrador da comunidade explica que o diagnostico da doença é a perda do controle. “O que dá o diagnóstico são os sinais e indícios de que a pessoa vem perdendo o controle. As vezes faltando o serviço por causa do uso, da bebedeira e dirigindo alcoolizado. Muitos perdem a carteira por dirigir alcoolizado. Isso mostra que a pessoa já perdeu o controle”, relata.

Nessas comunidades terapêuticas, de acordo com o psicólogo Marcelo Ghizzo, também são oferecidas ressocializações por meio dos 12 passos e visitas de grupos de alcoólicos anônimos e narcóticos anônimos que apresentam uma recuperação após o tratamento também com base nos 12 passos.

O psicólogo alerta que é possível identificar e reconhecer quando um adicto está prestes a ter uma recaída. “Os sinais físicos da recaída podem ser a irritação sem motivo. A volta aos antigos hábitos como mentir, andar com pessoas de ativa e voltar a frequentar lugares como bares ou locais de uso de drogas são características, bem como abandonar atividades ou a desistir dos tratamentos (medicamentoso e psicológico) ”, pontua.

Vale ressaltar que a mentira em si então caracteriza a recaída, mas dá tempo de conscientizar a pessoa de que isso poderia ser um começo de recaída de atitude. “O uso da droga é só o final da recaída”, revela o psicólogo.

O dependente começa com as ideias, crenças de que poderá fazer as mesmas coisas de antes como ter hábitos de ativa até a pessoa acreditar que pode ter o controle do uso de drogas. “O acreditar que está mais forte seria não admitir que tem a doença e que pode se expor a droga e as pessoas que as usam. Se acha forte e passa a andar com usuários, retornando aos velhos hábitos”, explica.

 

Quando recorrer a ajuda

“As pessoas geralmente buscam ajuda quando estão no fundo do poço. Já numa situação de degradação, de isolamento e de perda de controle. Num sentimento de culpa, vergonha, desleixadas e degradadas”, afirma Yuri.

Ele reforça a importância do acompanhamento. “Deveríamos buscar muito antes, mas tem aquele sentimento ‘eu não preciso, mais o fulano é alcoólatra porque bebe cachaça, eu bebo só cerveja’, mas também comete insanidades tanto quanto quem bebe cachaça, quanto quem bebe cerveja”, pontua.

O técnico acrescenta que não é o tipo de álcool que é ingerido, mas sim a dificuldade que está passando em função disso. “A mesma coisa a droga, não é o tipo de droga que mostra as dificuldades, mais só o que mora na rua”, detalha.

Além disso, é comum o adicto dizer que não precisa de ajuda. “Falamos do egocentrismo, de ele querer ser o centro das atenções, de autossuficiência. Que eu consigo, eu posso, eu faço do meu jeito”, explica.

Yuri conta que muitos deles passam pela primeira internação, segunda, terceira, quarta, e realmente veem como forma de tentar quitar as dívidas e tentar solucionar os muitos problemas que possam ter nas ruas, ocasionados pela dependência.

“Eles acabam dizendo para a família, ‘eu tô bom, já tô bem, já tá na hora de ir embora, quero trabalhar, meus filhos não vão aguentar longe de mim, tô aqui perdendo tempo. Quando na verdade o tempo aqui é extremamente necessário”, assegura.

 

Importância da aceitação

Técnicas para convencer um adicto a aceitar internação existem. São várias as formas de fazer com que ele peça ajuda mais cedo. “Às vezes soltando a corda é uma forma de fazer com que ele peça ajuda. Porque ele também não aguentará tanto tempo sozinho no uso”, ressalta o técnico.

O amor exigente é um grande programa que ensina de que forma se deve lidar com este problema. Amor exigente, Nar-Anom, Al-Anom, são grupos de autoajuda para a família aprender de que forma lidar consigo em função do indivíduo, ensina a lidar com o adicto no uso. Já Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos ensinam a lidar com a droga.

Por meio de entrevista motivacional, o psicólogo explica que se pode identificar o estágio de mudança que o adicto se encontra. “Mas tudo depende muito do histórico do paciente. A questão de ter desejo de parar flutua muito no paciente adicto. Por isso, é importante fazer um bom vínculo com o paciente para que ele interaja positivamente em aderir ao tratamento”, ressalta Marcelo.

 

Tratamentos

As pessoas buscam ajuda de várias formas. Inicialmente procuram apoio religioso, mas é necessário um complemento a ajuda espiritual, já que a adicção é uma doença que atinge o indivíduo de forma física mental e espiritual.

As pessoas buscam apoio da medicina de forma particular ou pelo SUS, mas as diretrizes geralmente seguem avaliações onde sugerem tratamento ambulatorial ou internações, isto com avaliação médica.

Algumas pessoas se beneficiam com atendimento biopsicossocial, ou seja, fazem uso de medicações psiquiátricas. “Recorre ao auxílio de psicoterapia com profissional da psicologia e aplicam este tratamento no aspecto social, o que possibilita tratamento em sua vida normal por meio de grupos sociais como família, trabalho, espiritualidade e laser”, constata Marcelo.

Outros sofrem muito com a síndrome de abstinência e após avaliação médica recebem a sugestão de uma internação para desintoxicação, geralmente em ambiente psiquiátrico. Mas hoje existem opções de locais que trabalham com internação em conjunto com profissionais da saúde. “As comunidades terapêuticas onde o paciente permanece internado recebendo tratamento por meio de consultas psiquiátricas e apoio de monitores sociais, profissionais da área da psicologia e assistência social”, expõe o psicólogo.

Para Yuri, a sala resolve, mas a intervenção de um médico e um psicólogo são fundamentais em alguns casos. Inclusive, a intervenção de medicamentos para suprir aquelas dificuldades do indivíduo que muitas vezes já tem comorbidades, reduz o sofrimento. “As pessoas têm insônia, irritabilidade, disfunções que com intervenção medicamentosa, permite que as coisas fiquem mais tranquilas”, afirma o técnico.

Um exemplo é que, quando se utiliza medicamento, a pessoa consegue dormir no horário. “Se não tomar, vais dormir três, quatro ou mesmo cinco horas da manhã e mesmo assim deve acordar no outro dia para ir trabalhar. São situações bem difíceis. Assim, acredito que só a sala possa ajudar, mas com intervenções medicamentosas, psicólogos, e quanto mais ferramentas pudermos utilizar em benefício do indivíduo melhor será”, cita Yuri.

O adicto pode e deve recuperar sua autonomia e espontaneidade, porém ele deve sempre se manter em auto avaliação. “É importante sempre ter um apoio, um plano terapêutico para emergências e sempre fazer a prevenção a recaída. Pois o comportamento aditivo poderá voltar se o adicto não estiver se prevenindo”, finaliza o psicólogo.

 

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