FACEBOOK, CONTROVÉRSIAS SOBRE O AMOR

Do Facebook, edito diálogo ocorrido no grupo Masculino. Cristiane Dandolini Pickler publica: “Sobre os relacionamentos, o amor… Parece-me que o capitalismo também o tomou. Jorge Luis Borges: ‘O amor é amizade e sexualidade. Para que o amor seja duradouro é necessária uma conversa contínua, uma troca de duas vozes sempre redescobrindo a si mesmas. Na atualidade o amor quer liberdade tipo: Você me agrada, ficamos juntos, você me cansa, eu o dispenso. Experimentamos o outro como um produto’. [Hoje], o amor é uma aventura de que não queremos nos privar, mas com a condição de que ela não nos prive de nenhuma outra”.

Marlusa Tonial: “Muito pertinente. É o perigoso caráter utilitário que as coisas vêm tomando. Acredito que isso não serve para relacionamentos, amores, amizades”. Cristiane: “O amor (não o romântico, mas o citado) exige reciprocidade, não só porque declarar o amor significa uma demanda, mas também porque aponta que, no outro, algo faz com que ele seja amado. Muitos preferem viver isolados, com seus sintomas, a se lançarem ao outro, com medo de serem apenas desejados, admirados, e não verdadeiramente amados. Desejo satisfeito, descartado…”.
Rui Coelho: “Interessante… Estava pensando: Está-se dispensando o amor, priorizando-se a ‘zona de conforto’ da individualidade?”. Provoco: “Ainda bem. Já pensou se o amor continuasse como um arranjo de família católica medieval?”.

Tania Abreu: “O amor […] toma a vida, o sexo, os sentimentos por inteiro. Nada mais falta. Já relacionamentos, esses têm espaço para muitos; a individualidade fica preservada e os sentimentos são contidos. É o comum de se encontrar. O amor anda raro”. Manifesto-me: “O amor monogâmico, disciplinador, sim. O amor demarcado pelo concílio de Trento ditou essa forma irreal, e desde então as pessoas submetem-se a ela, até acontecer a sua ‘naturalização’. Isso é uma disciplina, não é um afeto. Ademais, na vida sempre há falta, com ou sem amor”.
Lucas O. Alves: “Gostei da tua provocação. Em perspectiva histórica, nunca houve momento tão progressista no tocante às liberdades individuais e possibilidades de enlaçamentos afetivos. Isto não necessariamente rebaixa o nível do amor, apenas torna suas formas mais plurais. Contudo, classificar qualquer experiência de gozo [gozo, na linguagem psicanalítica, é associado a excesso] como ‘amor’ tem sido algo rotineiro na sociedade contemporânea (algo que Bauman discutiu em amor líquido), possivelmente gerando sintomas individuais e sociais como a angústia e o descomprometimento ético”.

Cristiane: “Angústia, descomprometimento ético, desrespeito, objetificação do outro… Concorda? Afinal, também somos resultado da cultura. Vivemos em sociedade. Adaptar-se não é aceitar”. Lucas: “Concordo. Só temos que tomar cuidado para, com esta crítica, não fomentar discursos conservadores que pregam o retorno a antigos valores. O amor sofre o efeito do significante e só faz sentido nas interações culturais. É um valor mutável, com variância histórica e individual”.

Cristiane: “Discursos conservadores, retorno de valores antigos… Mas o outro objetificado, produto descartável nos discursos, relacionamento modernos… Preocupa, assusta”.

Respondo a Lucas e Cristiane: Desejo com comprometimento ético? Ora, desejo é conteúdo essencial. Ética é circunstancial, ideológica. Cultura pede castração (em linguagem psicanalítica, não ser o dono do mundo), mas não pede disciplina, submissão às instituições. A sociedade precisa de democracia, vida plural, aberta. Isso conflita com a institucionalização dos desejos.

Menos concílio de Trento, mais Maio de 1968”. Lucas: “A moral é ideológica; a ética é circunstancial e humana, assim como o desejo. O comprometimento ético com o outro é necessário para interditar o gozo. Sem ele, o outro não pode ser reconhecido como um outro do laço social ou um outro enquanto objeto de desejo, mas apenas como objeto de gozo, reificado para consumo e satisfação imediata. E quanto a Maio de 68? Sim, precisamos de mais. Urgentemente! Concílio de Trento significa a retenção do desejo; Maio de 68, a sua democratização”.

Divirjo de Lucas: “Moral é pressão social; ética é deliberação de foro pessoal. Ambas são ideológicas. E, sim, há que existir comprometimento, mas qual? O fundado na tradição católica? O libertário de 68? Um que seja eleito entre as partes interessadas? E se me falam em sociedade:

Que preceitos me alcançarão? Eu os polemizarei, ou os acatarei obedientemente? A reificação aludida, a coisificação, é não compreender que, se não faço escolhas, sou coisa produzida. Há que se interditar (castrar) o gozo que objetifica. Mas eu me interdito. Se me deixo interditar pelos costumes, alieno-me. Aí eu não estaria respeitando o outro, mas acatando normas sistemáticas”.
Lucas reitera que “o comprometimento entre as partes deve prevalecer”. Retomo:

“Comprometimento derivado da vontade das partes, interveniência dos envolvidos sobre a relação. Não é o comum. As pessoas se ajustam às molduras da sociedade. Não exercem vontade; obedecem. Servidão voluntária (La Boétie). Os voluntários da obediência ‘gozam’ as circunstâncias que os acachapam. Submetem seu desejo e até seu gozo à disciplina, sem diferenciar contenção civilizatória de disciplina institucional”.

Lucas retoma Bauman, pensador da modernidade líquida: certezas e relações tornam-se fluidas, instáveis. Reitero: assim é melhor. O “antigamente” era sólido em decorrência de violência institucional sobre as pessoas. Para ficarmos no amor: era submetido à vontade do patriarca, da igreja católica, do Estado, que prescreviam conteúdo e forma, vigiando e punindo desvios.

Borges e Bauman defenderam as formas passadas. Divirjo. Penso no enlace amoroso. Antes: papéis, proclamas, cerimônias. O Estado fiscalizava casamento e separação. Hoje são possíveis outros caminhos: declara-se em compromisso sério pelo Facebook. Quando acaba o gosto, o afeto, o amor, cada qual sensatamente se vai. E a vida continua. Livre, leve e solta. Ainda bem.