A jornada, o propósito e a chegada

Antes de embarcar para a África do Sul, li alguns posts que falavam da trilha da Table Mountain. É segura, dizia, mas é preciso prestar atenção nas placas. 3 horas de subida a pé e a descida de bondinho, parecia viável. Bora botar na lista.

Dia anterior do que programamos para enfrentar, um frio na barriga junto com uma vontade de explorar. Uma informação chega e avisa que o bondinho estava fechado e ao olhar para ela, majestosa, com uma nuvem enorme em seu entorno, que mais parecia um colchão de algodão, suave e aveludada, não era de se estranhar. Vento e neblina, algo que poderia atrapalhar. 

Mesmo sem saber como estaria no dia seguinte, resolvi encarar. Na noite anterior meu inconsciente protetor me acorda. E se eu me machucar, será que tem resgate? Meu Deus estou na África e se eu me deparar com uma cobra peçonhenta? Um leão? Menos Juliana, vamos parar. Apaga que logo o despertador vai tocar. Durmo aquele sono de pena. Pensando em uma estratégia para a missão abortar.

31/12/2019, 6:30 da manhã, uma boa aventura para fechar o ano com chave de ouro.

Bora lá! Acorda meu marido animado e eu com aquela cara de.. será? Está ventando bastante, alerto, tentando me escapar. Vamos, diz ele sem titubear. Engulo seco e enfio a roupa sem reclamar.

O dia está lindo, o sol brilha e começo a ver que o desafio não iria nos decepcionar. Ao descer do carro, paro um pouco e penso. Qual é a minha intensão em fazer isso? Não pode ser só a subida e logo entendo o que preciso. Mais calma, mais atenção à jornada. Mais paciência. Está ótimo assim! Fico feliz com a ideia de fazer algo que gosto muito e ainda com uma intensão maior por trás. Me animo mais e sigo nessa vibração.

Ao chegar, começamos a procurar o início. Nem mesmo começamos e a sensação era de já estarmos perdidos. Um frio na barriga e uma vontade de perguntar, até que tempos depois surge uma dupla de africanos. “Go ahead”, siga em frente, dizem eles com suas roupas engraçadas, o que me fez ficar um pouco mais tranquila embora ainda desconfiada. 

Chegamos! Uma placa indica. Ufa! Achamos o começo. E com uma rápida olhada já entendi o que iriamos enfrentar: Vá por sua conta e risco, ela indicava. Penso comigo, está certo, sem resgate, tudo bem, seguimos, não vai acontecer nada.

Um olhar para cima e já sinto o que nos espera. Uma subida íngreme, uma espécie de escadaria irregular de pedras bem desenhadas, o que não me assusta, a essa altura do campeonato, já estava mais do que empolgada. 

E assim trilhamos, passo por passo. Volta e meia cruzávamos com pessoas indo e vindo, duas delas com expressões bem cansadas nos avisam que a volta estava sendo a pé, confirmando a quebra do bondinho para a minha tristeza, pois eu pretendia ainda chegar em um bom estado para aproveitar a virada. Penso que tudo bem, continuamos, com sorte volta a funcionar até chegarmos lá. E me impressiono com meu otimismo.

A cada trecho mais pesado, uma parada para tomar água. Uma olhada no horizonte estonteante e em seguida a retomada. Uma dupla de brasileiros passa e escuto a conversa. Parece que desistiram no meio da trilha, falavam que ao chegar lá iriam ver a mesma coisa que viam em outros lugares. Escutei atenta. Recriminei em pensamento, obviamente não tinham uma motivação maior para continuar. Que pena, lembrei do quanto seria valioso contar depois para as pessoas sobre o como a falta de um propósito claro na vida faz a gente desistir. E segui tentando não deixar aquela interrupção me desconcentrar.

Acompanho o relógio, reporto a localização para a família, mais uma parada para apreciar. Já foi uma hora. O ritmo segue bom, a mente tranquila e a temperatura do corpo começa a aumentar. 

Duas horas se passam. Olho para o topo, a nuvem, agora mais escura, parece nos abraçar. A temperatura muda, o ar fica frio, puxo o casaco e o cansaço começa a apertar. A pedras ficam úmidas, aumentando o risco de cair. O cansaço até parece estar mais forte, mas não deixo atrapalhar. Só mais um pouco. Olho para cima, e começo a escutar Vozes. Alguém lá do alto grita “Ô”e quem está embaixo, na sequência, continua a gritar, fazendo uma corrente de vozes que ia aumentando ao se aproximar. A energia me contagia. Em frente um grupo de mulheres com um timbre maravilhoso começa a cantar, o que trás uma atmosfera de alegria, todo mundo feliz com a sensação de perto do topo estar. 

O mundo poderia desabar na minha frente naquela hora, nada iria me abalar. Eu estava ali. Imersa. Penso como isso é estranho. Era para eu estar me sentindo cansada, meio irritada, mas estou em paz, calma, curtindo a jornada, feliz em ali estar.

Falta só mais um pouco, avisa um casal já no trajeto de volta. Dou um sorriso com o canto dos olhos e os deixo passar. Nem lembrei do bondinho perguntar. Um estado de tranquilidade com alegria parecia me acompanhar. 

Chegamos! E com apenas mais uns minutos de caminhamos a vista começava a desabrochar. Um mar azul esmeralda torneado pela cadeia de montanhas considerada uma das 7 maravilhas naturais da terra. Contemplo até cansar os olhos e até o corpo descansar. Não sinto fome nem sede. Está tudo bem. Ando mais um pouco e descubro o que não esperava se anunciar. O bondinho está aberto! Olha! Uma resposta do universo que lembra que às vezes o cenário é melhor do que podemos imaginar e infelizmente sofremos ao antecipar. 

E qual o propósito disso tudo? O propósito, não é sobre uma poção mágica que você encontra no final da jornada, é sobre ter um sentido maior no trajeto. É sobre apreciar o caminho, sabendo onde quer chegar. É sobre seguir adiante, mesmo diante dos desafios da vida. É encher os olhos de vida. É aproveitar e conquistar.