domingo, 19 maio , 2024
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Além de crime ambiental, caso das búfalas de Brotas deve ter investigação de crime contra a saúde pública, diz delegado

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Além de crime ambiental, caso das búfalas de Brotas deve ter investigação de crime contra a saúde pública, diz delegado
Foto: Divulgação/Catharina Bastos)

Não precisa ser vegano ou militante pelos direitos dos animais para se chocar com as cenas registradas no interior de São Paulo, onde centenas de búfalas foram encontradas com fome e sede. Descritas como um “cenário de guerra” pelo delegado que atendeu à ocorrência após uma denúncia anônima no último dia 7 novembro, as imagens geraram uma união que parecia improvável em prol do bem-estar dos animais.

Sob a tutela de uma ONG ligada ao veganismo, as búfalas têm sido mantidas à base de doações, em parte enviadas por produtores rurais que se sensibilizaram com a situação.

“Desde o início, a grande preocupação dos criadores com a recuperação da vida dos animais. De salvar aqueles animais. Porque o animal não tem culpa nenhuma de uma situação dessas”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Criadores de Búfalo (ABCB), Caio Rossato.

Segundo ele, já foram doadas 30 toneladas de feno e outras 20 toneladas serão enviadas na próxima semana para ajudar na alimentação do rebanho, hoje sob a tutela da ONG Amor e Respeito Animal.  “Aqueles animais precisam de alimentação de boa qualidade. Então a gente se reuniu num grupo de produtores e estamos enviando alimento”, afirma.

Ao todo, o Brasil tem cerca de 17 mil produtores de búfalos, com um rebanho estimado em 2 milhões de animais, segundo a ABCB. O número é menos de 1% da população total de bovinos e bubalinos do país, avaliada pelo IBGE em mais de 219 milhões de cabeças. “Quem é vegano não vai, obviamente, ser favorável à produção de alimento de origem animal, mas o que vimos em Brotas, infelizmente, foi um caso isolado e não reflete a realidade da bubalinocultura profissional”, destaca Rossato.


Crime contra a saúde pública
Além da legislação referente ao bem-estar dos animais, que veda a privação de alimentos como a registrada em Brotas, o setor também precisa seguir normas sanitárias relacionadas à qualidade e procedência do leite ou da carne produzida a partir do rebanho. E, segundo o delegado responsável pela investigação, Douglas Falsarella, essas regras também não eram seguidas na Fazenda Água Sumida, onde os animais foram encontrados.

“Terminando essa investigação, vou dar início a outra que vai apurar crimes contra a saúde pública, porque ele extraía leite das vacas, mas a estrutura dele era muito precária, contrária à lei e em desacordo com as normas vigentes no país”, revela o delegado.

Além de duas multas por maus-tratos aos animais que somam R$ 3,5 milhões, o proprietário também foi autuado por irregularidades ambientais, como a presença de búfalos em áreas de proteção permanente – vedada pelo código florestal. Estima-se que, somadas, as multas passem de R$ 5 milhões. “Parecia um cenário de guerra, daquelas pós-batalha, em que ficam soldados caídos, alguns mortos, outros feridos. Foi isso que nós encontramos, um cenário desse jeito”, recorda o policial.


Rasgar dinheiro
Considerado um dos maiores especialistas em bem-estar animal do país, o professor do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias da Unesp de Jaboticabal (SP) Mateus Paranhos, disse que já ocorreram casos de mortes de animais por fome no Brasil, especialmente no Nordeste, mas não por irresponsabilidade ou negligência do dono do rebanho, como apontam as investigações em Brotas, de acordo com a polícia.

“O criador simplesmente não fez nada para amenizar o problema dos búfalos. Podia ter comprado cana, silagem, feno e até palha para alimentar os búfalos ou ter vendido o rebanho ou parte dele. Os animais entraram em quadro de perda de condição corporal extrema, que resultou na morte de muitos deles. Isso, segundo a legislação brasileira, é um ato de crueldade, de maus tratos aos animais, tanto que houve uma ação da polícia e ele está sendo processado civil e criminalmente”, analisa Paranhos.

Segundo o professor, em outros casos que resultam na morte dos animais de produção, geralmente, os donos também são vítimas, porque estão submetidos às mesmas condições adversas de seca e não têm recursos para alimentar o gado. Ele lembra que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) tem uma tecnologia para cuidar de casos críticos na África, que consiste em vender parte do rebanho antecipadamente para dar mais chances de vida aos animais que ficam. Na Austrália, diz o especialista, o produtor é obrigado a tomar uma atitude ou o governo intervém, alimenta os animais e lhe apresenta a conta.

Paranhos explica que os búfalos são animais mais rústicos, mas ninguém resiste à fome. “A omissão desse produtor de Brotas é inexplicável. Ele poderia ter vendido tudo ou uma parte e não fez nada. Parece que optou por rasgar dinheiro.” O professor lamenta ainda o que chama de possível resistência da Justiça em deixar que mais integrantes das ONGs de resgate de animais entrem na propriedade para alimentar os búfalos.


Caso paradigmático
Luiza Schneider, vice-presidente da Mercy for Animals (MFA), ONG de defesa dos animais, diz que a situação das cerca de 700 búfalas abandonadas em Brotas ainda é muito grave porque a falta de água e alimento provoca sérias alterações metabólicas e até a morte. “Nesse caso, elas foram abandonadas à própria sorte, mas geralmente, quando cessa a produção de leite, as búfalas assim como as vacas são enviadas para o abatedouro.”

Para a diretora-executiva da Animal Equality Brasil, Carla Lettieri, o caso é paradigmático em relação ao que ocorre na indústria de proteína animal. “Numa situação de falta de lucro, os animais são descartados com intensa crueldade, como se não fossem seres vivos”, afirma Carla.

Além da alimentação, as ONGs também buscam doações para custear o trabalho de resgate e o tratamento, que inclui a instalação de hospital de campanha na fazenda – gastos que, segundo ela, poderiam ser cobertos pela multa devida pelo fazendeiro, preso em flagrante, mas liberado sob fiança.

“O Estado precisa proteger os animais da crueldade. Isso está na Constituição e não está sendo cumprido”, defende a ativista, para quem responsáveis por atos de crueldade contra animais não podem simplesmente pagar uma fiança e responder o processo em liberdade.

Com informações de Globo Rural

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