Um escritor da minha juventude

N os tempos em que estudava, de manhã, no Instituto de Educação Dias Velho, enfurnava-me, à tarde, na Biblioteca Pública para ler a epopeia da Guerra de Troia, relatada por Homero e clássicos do gênero, como a Anabasis de Ciro, de Xenofonte.
Mesmo sentado numa cadeira incômoda, viajava pelo tempo e pelos continentes, pelas asas da literatura uiniversal. Naquela época, um dos meus preferidos era o californiano Jack London.

Autodidata, ele atravessou a vida como um cometa. Marinheiro, correspondente de guerra, militante socialista, foi o escritor norteamericano mais conhecido na Europa, não apenas por seus livros, mas também por conta de seu espírito inquieto e aventureiro.

Aos 17 anos, já havia feito sua primeira grande viagem marítima, ao Japão e às ilhas Bonin. E, durante a sua curta vida (40 anos), navegou por terras distantes e exóticas, como o Alasca ou o Havaí.

Assim como nos Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo, impressionou-me, naquela época, o romance O Lobo do Mar, no qual London retrata uma grande aventura oceânica, pondo em choque as opiniões do intelectual e as do rude Capitão Lobo Larsen.
Como resultado de suas viagens, e dos relatos em livros, foi um dos introdutores do surfe nos EUA. Pelos relatos de seus livros, as ilhas do Pacífico tornaram-se conhecidas, transformando-se num importante destino turístico.

Em O Andarilho das Estrelas, de 1915, London me lembra Graciliano Ramos de Memórias do Cárcere, contando a história de Standing, o herói condenado a prisão perpétua, por um crime passional. Encerrado dentro de uma pequena cela, todo o dia ele era vestido com uma camisa-de-força, cada vez mais apertada. Assim, o diretor do presídio procurava forçá-lo a confessar o crime.

Fruto do espírito da época, London era inimigo ferrenho do capitalismo e odiava a ganância que impulsionava o desenvolvimento da América. Sua infância sacrificada, a adolescência rebelde e a experiência na prisão deram-lhe profundas convicções socialistas, tendo sido membro da Seção Americana do Partido Trabalhista Socialista.
Contraditório, defendia ao mesmo tempo as ideias ascendentes do socialismo do começo do século (Lênin o citava como exemplo de escritor) e as do mais extremado individualismo. Seus romances, embalados pela utopia soviética, estão prenhes de anseios por reformas sociais, ainda sem perceber a incompatibilidade e o conflito com seu acentuado individualismo.

O Tacão de Ferro é uma obra de ficção política, pela qual os Estados Unidos sucumbiriam a uma ditadura, vista, por muitos de seus críticos, como uma antevisão do nazi-fascismo e do stalinismo.
Em apenas 25 anos, Jack London escreveu cinquenta livros, muitos deles preciosos, como O Chamado da Floresta, que conta a história de Buck, um poderoso cão que se rebela ao serviço de tração de trenó; ou Canino Branco, um delicioso romance de aventuras.

Nos Escritos Políticos, revela a sua versatilidade, passando da ficção ao ensaio, discorrendo sob sua convicção socialista.
Decorrendo, após este 22 de novembro, 93 anos de sua morte, é importante (e delicioso!) relê-lo.