Black Mirror: ficção ou realidade?

Há algumas semanas, temos trazido a esta coluna textos relacionados com assuntos de tecnologias do “futuro”, que já são o “presente”, como os grandes avanços da Inteligência Artificial e também da Robótica. Hoje, daremos continuidade à temática, levando à reflexão um seriado da Netflix, que da mesma forma que os assuntos anteriores, pode até parecer pura ficção cientifica, mas, na verdade, muito do que é relatado nos episódios já está presente no dia a dia em diversos países. Estamos falando do seriado “Black Mirror”.

O primeiro episódio foi ao ar em dezembro de 2011, pelo “Channel 4”, uma rede de televisão Britânica. Foram três temporadas por este canal, e, a partir de 2016, foram mais duas temporadas pela Netflilx, e em dezembro passado, foi lançado o primeiro filme interativo da série, que é invocada pela crítica e público como inovadora e chocante, ao mesmo tempo que muitos episódios causam verdadeira “repulsa” em alguns telespectadores. 

O motivo do choque – e também do sucesso dos episódios – é devido à forma que são produzidos, sempre trazendo temas polêmicos, muitas vezes satíricos, sombrios, e especulativos, de como a tecnologia poderá causar consequências imprevistas na sociedade contemporânea. Cada episódio é escrito de forma independente, e pode ser assistido sem uma ordem determinada. 

Sem trazer spoiler e para instigar nossos leitores a assistir todas as temporadas, vamos apenas comentar sobre alguns episódios específicos e relacionar com situações das quais já estamos presenciando cotidianamente. 

Um deles é o segundo da primeira temporada: “Fifteen Million Merits”, onde os protagonistas pedalam bicicletas geradoras de energia em troca de “méritos”, os quais são trocados por produtos, enquanto assistem a um show de talentos que faz de tudo pela audiência. Será que tem alguma semelhança com algo que é exibido nas nossas “telas” nos sábados e domingos à tarde?
Outro episódio desta mesma temporada é o terceiro: “The Entire History of You”, no qual as pessoas usam chips implantados, capazes de gravar tudo que se passa em seu meio, e essas informações podem ser acessadas a qualquer momento, reproduzindo, desta forma, suas memórias específicas diretamente sem seu olho ou em um monitor. Você já parou para analisar o quanto nós também temos deixado “nossas memórias” gravadas em vários serviços da internet? Tem programas que por padrão registra todos os lugares que estivemos e também nossa navegação nos diversos sites vão deixando nossos rastros, e, ainda, tem pessoas que junto disso vão voluntariamente postando em todas as mídias sociais possíveis seus passos, as pessoas com quem “conviveram” naquele instante, e até mesmo qual comida havia em seus pratos. Tudo isso para ganhar alguns “likes”. 

E por falar em “reconhecimento digital”, tem o primeiro episódio da terceira temporada: “Nosedive”, no qual as pessoas usam implantes oculares associados a dispositivos móveis (como nossos smarphones) e com eles classificam todas as interações online e pessoais em uma escala de cinco estrelas. Sua “nota” afeta significativamente seu status socioeconômico e também a relação de produtos que pode adquirir os possíveis descontos. Na vida real, em 2018, mais de 17 milhões de chineses foram impedidos de viajar de avião ou de trem por terem “baixa nota no crédito social” do país. Basta não pagar uma conta, um imposto, agir de forma inadequada no trem ou enquanto caminha com seu cãozinho para “perder” pontos. 

Outro episódio sugerido é o quarto da temporada quatro: “Hang the DJ”, em que vários jovens participam de um sistema de relacionamento, em que o dispositivo chamado “Coach” instrui com quem devem se relacionar, incluindo o tempo limite desta convivência. Será que há alguma semelhança com os aplicativos utilizados pela maioria dos jovens e adultos nos dias de hoje?
Por fim, a Netflix inovou mais uma vez com o filme “Bandersnatch”, uma continuação do seriado Black Mirror, apresentando como o primeiro interativo dos serviços de streaming, em que o próprio telespectador decide, durante a exibição, qual caminho o personagem deve seguir durante a trama. O filme tem duração de 90 minutos, mas para todos os caminhos “possíveis” foi necessário a gravação de 312 minutos. Do que trata? Bom, isso vou deixar por conta de nossos leitores descobrirem, não vou deixar nenhum spoiler aqui.

Como todos seriados de TV, o Black Mirror tem episódios excelentes, outros medianos, e alguns sofríveis, mas com toda a certeza vale o tempo dedicado. Ainda mais se você relacionar os episódios com muitos fatos reais que já estamos vivendo, talvez não na mesma intensidade ou impacto de uma “tecnologia desastrosa”. 

Prepare a pipoca e a maratona. São 19 episódios em cinco temporadas, e mais um filme, e então tire suas próprias conclusões.

Leia outros textos desta coluna em: http://bit.ly/fernandopitt.