Terras de Marinha: demarcação, burocracia e estagnação (1)

As Terras de Marinha são regulamentadas através do Decreto 9.760/46 – Artigo 2º, que reza: “são terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831, os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés”.

A LPM caracteriza-se pela linha de contorno entre a água e o solo, momento em que ocorre a maré alta (preamar). A lei faz referência à LPM de 1831, notadamente, sua projeção só pode ser obtida através da média das linhas de preamar ocorridas durante aquele ano, nenhum outro por qualquer que seja. Apenas para que se faça relembrar, em nosso país, ocorrem em média dois preamares diários, ou seja, mais de 700 observações por ano, o que para uma condição atual já envolve grande complexidade.

As projeções para o preamar de 1831 devem considerar a condição de relevo da época, onde diversas de nossas regiões sequer haviam sido colonizadas. Sobre o levantamento realizado em nosso estado, foi lançado o posicionamento aproximado das linhas marginais, quando possível, através de documentos antigos e de uma cota base, o que, apesar de amplamente contestável, passou a ser denominado pela União Federal como LPM de 1831. Além disso, a SPU não conta com técnicos e topógrafos capazes de demarcar, com base no que determina a lei, quais são efetivamente os terrenos de marinha. Pior, em vez de demarcar, utiliza atos normativos para alterar conceitos da lei. Em 1981, editou a Instrução Normativa nº 1, em que passou a utilizar como cálculo dos 33 metros a maré de sizígia (ponto mais alto que a maré pode alcançar), ao invés da preamar média, como média aritmética de todas as preamares.

Totalmente ilegal, a manobra permitiu incluir imóveis em seus cadastros que, por lei, não estão em terrenos de marinha. A lei exige que a demarcação seja informada nominalmente a cada proprietário com título legítimo para que tenha ciência e possa participar juntando plantas, documentos e o que entender necessário para uma correta demarcação dos terrenos de marinha. Mas o que se vê na prática é que a SPU nunca demarcou qualquer terreno de marinha e, inclusive, assume publicamente que realmente não faz este trabalho.

Existe um acórdão, de 14/11/2006, do STJ, que reza ser “necessária a convocação pessoal dos interessados certos, com imóvel registrado no respectivo cartório, para participar do procedimento administrativo de demarcação da linha preamar média de 1831, conforme dispõe o art. 11 do DL nº 9.760/1946. A convocação por edital só é cabível quando os interessados são incertos, ou seja, aqueles não identificados ou com domicílio não encontrado nos registros da União. Não pode a administração, por livre vontade, escolher a forma de convocação”.

Contrariando determinação do STJ, a SPU não demarcou, não fez contato nominal, mas cobrou. Lançou um edital informando o início do procedimento de cálculo da maré de sizígia, e não da preamar média, sem fazer constar o nome de qualquer interessado, utilizou um cadastro desatualizado de proprietários e distribuiu boletos bancários com cobranças indevidas a cidadãos que não ocupam terrenos de marinha ou que há décadas não são proprietários dos imóveis.