Por uma vida melhor?

 

Olavo Bilac, uma das maiores expressões de nossa literatura, assim descreveu a língua portuguesa: “A última flor do Lácio, inculta e bela”. Queria assim se referir à formação de nosso idioma e como essa característica popularesca deu origem a um falar tão belo e expressivo. O parnasianista agora deve revirar-se no túmulo ao saber que pretendem admitir a desconfiguração total de nossa língua. O documento apresentado pelo Ministério da Educação, denominado “Por Uma Vida Melhor”, busca de forma pretensiosa legitimar o uso incorreto da língua sob o argumento de que a linguagem culta é usada como instrumento de exclusão social. Segundo o documento, erros de concordância como “os pé” devem ser respeitados e aceitos como corretos, por serem a manifestação natural dos falantes. Expressões como “nois fumu” em oposição a nós fomos, ou “vou ponha” em oposição a porei são legitimados pelo uso frequente na oralidade.
 
A tese da democratização cultural por meio da vulgarização do vernáculo é um expediente muito perigoso. Nisso percebemos a nítida confusão entre ideologia política e soberania nacional. Um dos clássicos da literatura, 1984, de George Orwell, já alertara sobre o uso desarrazoado da linguagem, como instrumento de dominação. Ao simplificar e banalizar, lançando mão de reducionismos, a escrita alicerçada na fala objetiva limitar a capacidade cognitiva dos enunciadores, criando um círculo vicioso de empobrecimento intelectual. Buscam mascarar o fracasso escolar ao integrar o erro em perspectiva igual ao acerto. O artifício fecha os olhos para os dados alarmantes revelados pelos mecanismos avaliadores do próprio MEC, os quais apontam que o ensino brasileiro vai mal, sobretudo nos aspectos relativos ao uso das linguagens, se comparado com os demais países, inclusive ficando atrás de nações economicamente debilitadas. 
 
O pano de fundo dessa pífia revolução é o investimento em educação. Ao recuar para 7% do PIB a serem aplicados em investimentos educacionais, contrariando a decisão da CONAE, Conferência Nacional de Educação, que fixou em 10%, o governo federal demonstra claramente não ver o setor como prioritário. Em contrapartida, vale-se de mecanismos paliativos e viciosos para justificar sua inoperância. Avançamos muito na universalização e no acesso à escolaridade. No entanto, a qualidade anda a passos de cágado. As pérolas do Enem, cada vez mais abundantes, são provas cabais do descaso pedagógico. Não adianta ampliar o ensino público superior, e essa ampliação também é problemática, se a educação básica não dá conta de sua demanda.
 
Dia desses, um aluno disse que eu estava me gabando muito quando comecei a brincar sobre minha beleza. Os alunos riram. Imaginei tratar-se da brincadeira. Fiquei pasmado quando percebi que riam do gabar, supostamente usado erroneamente pelo insurgente, uma vez que a maioria deles usava “gavar”. Obriguei-me a fazer uma intervenção no sentido de esclarecer o uso correto do termo. É nesse ínterim que mora o perigo do panfleto governamental. Impor a ignorância em detrimento ao conhecimento apurado e tão necessário para o aprimoramento cultural de nossa nação.