Papai Noel, Jesus e o crepúsculo moral das festinhas de amigo secreto

Todos os anos, em dezembro, a encrenca se repete: a turma do PJ – Partido de Jesus – entra em conflito com a do PPN – Partido do Papai Noel. O pessoal do PJ defende o “verdadeiro sentido do Natal”. Há duas alas no PJ, como em todos os partidos que se prezem: radicais e moderados. Os radicais querem acabar com os símbolos do que chamam de “ideologia maléfica do Papai Noel”: árvores de Natal e os bonecões do velhinho colorado, sorridente, que, para eles, seria uma espécie de avô enrustido do Chucky, o brinquedo assassino. Haveria um complô internacional valendo-se da figura do Papai Noel para organizar um golpe cultural de estado que tiraria de Jesus o poder que ainda lhe resta nas semanas de dezembro que antecedem o Natal.

A posição dos moderados do PJ e do PPN é substancialmente a mesma: são a favor da centralidade de Jesus, mas admitem a moralidade do aquecimento das vendas no período de Natal para proteger consumo e empregos: “Natal é aniversário de Jesus. A centralidade é do festejado. Os cristãos não são contra o consumo nem contra o comércio: são contra o consumismo”. Por razões de caridade, recomendam ao velhinho acalorado – pela ausência de adaptação cultural de um traje de inverno ao verão – o uso de bermudas e mangas curtas.

“Natal é festa de Jesus, Papai Noel é coadjuvante”. Em Tubarão, além dos papais-noéis, há, também, pela cidade, alguns belos e grandes presépios, representativos do Natal. Papai Noel não é símbolo de origem pagã, como pensam os radicais. Sua origem é São Nicolau (Turquia, séc. 6), festejado dia 6 de dezembro, bispo benemérito que costumava presentear por ocasião do Natal. Presentear é coisa boa, mas para presentear precisamos, antes, comprar os presentes. E é aí que o comércio de presentes desenvolve-se no Natal. O comércio gera empregos, salários e, também, dízimo para as igrejas.

O problema é o consumismo, que é o consumo pelo consumo, sem amor, vício mais moral (cultural) do que econômico dos que buscam a felicidade profunda lá onde se encontra apenas a felicidade rasa.
Natal é tempo de amor, mas de amor verdadeiro, gratuito, bem diferente da tortura representada pelas festinhas de amigo secreto. Cresce a cada Natal o número de traumatizados pelas festinhas de amigo secreto: “Comprei um presente de 50 reais e ganhei um troço no valor de 1,99!”, reclamava o insatisfeito, surtando, enquanto era recolhido ao manicômio.

“Faltou um participante, e fiquei sem presente”, reclamava outro, frustrado, entre lágrimas contidas. Não há garantias de par conditio (iguais oportunidades) nas festas de amigo secreto, por mais que alguns expliquem antecipadamente o valor em torno ao qual deveria girar o preço do presente. Contratos registrados no cartório ajudariam a diminuir a tensão pré-festa. O criador das festas de amigo secreto é desconhecido, por razões de coerência com o espírito do jogo, e para salvaguardar a integridade física do seu criador. Não existe liberdade de dissenso no caso de tais festas. Elas são obrigatórias, anulam a liberdade sagrada de oposição.

Os ministérios da justiça e da saúde deveriam impor um limite máximo de duas festinhas de amigo secreto por Natal, já que pesquisas com cobaias demonstraram que os surtos psicóticos ocorrem mais a partir da terceira rodada de adivinhações: “O meu amigo secreto é branquinho, tem a cola fininha…”. Os ratos não aguentaram: quebraram o vidro do laboratório e fugiram jogando petecas de queijo no cientista. Um rato mais erudito, que aprendeu a digitar (“Até os ratos usam mouse”, foi o título de sua tese), explicou, por e-mail, do exílio, que agulhadas com remédios estranhos eram peixe-pequeno comparadas à tortura psicológica representada pelo estresse das adivinhações das rodadas de amigo secreto. “Somos ratos, não somos bestas”, concluiu o anárquico ratinho, propondo o fim imediato das rodadas de adivinhações produzidas em linha de montagem pela institucionalização natalina das festinhas de amigo secreto.