O estado de direito

 

A morte do ditador da Líbia lançou luz sobre uma polêmica muito presente nas relações revolucionárias do século 21. Num passado que começa a não ser tão recente, observamos esse movimento agressivo de derrubada do poder. Em breve, a Revolução Russa comemorará 100 anos. Naquela oportunidade, Lênin e seus asseclas destronaram o Czar, assassinando-o. A violência foi estendida a toda a família, incluindo crianças. A atitude, coberta de atrocidades, justificou-se na época sob a necessidade de eliminar qualquer um que pudesse reivindicar o trono e a sede de vingança contra um estado opressor. Argumentos ridículos se observarmos a Rússia após a revolução. Manteve-se a opressão ainda mais violenta. O país passou a ser dominado por poucos, numa sucessão de golpes internos marcados por traições e desonestidades.
 
A luta por qualquer mudança exige coerência entre o que se pretende mudar e a postura de quem exige a mudança. Mudar para simplesmente trocar papéis não acrescenta em nada a evolução do estado de direito tão presente nas cartas e declarações editadas pelos quatro cantos do mundo. A China contemporânea derrubou uma dinastia, mas atua de forma desumana na dominação do Tibet, e sufoca brutalmente qualquer insurgência dos seus mais de dois bilhões de habitantes. O Brasil, nesse aspecto, contribui positivamente como modelo de nação democrática, a qual virou o jogo, mas não manteve as práticas. Nem mesmo o ex-presidente Lula, com todo seu egocentrismo, cogitou alterar as regras do jogo e permitir-se mais uma reeleição. E apesar de arquitetar um terceiro mandato indireto, viu na atuação incisiva de sua sucessora a senha para ocupar-se de sua vida particular de ex-mandatário. Algo diferente do que podemos assistir na Venezuela e mais recentemente na Argentina.
 
A presidenta Dilma condenou a forma animalesca com que Gaddafi foi executado. Sua manifestação está longe de ser um afago aos ditadores como fez seu antecessor. A autoridade maior do executivo quis ressaltar o princípio da legalidade das ações para legitimar os processos revolucionários. Julgar e condenar, conforme as leis e convenções internacionais, ou até mesmo por leis locais, ainda carentes de princípios éticos, são ações imprescindíveis para dar segurança aos povos quanto a seus novos governantes. Ao defender ferrenhamente a comissão da verdade, a líder do planalto não busca vingança, por ter sido vítima da ditadura. Visa manter alerta a memória daquilo que não pode voltar a acontecer.
 
O futuro das nações libertárias é imprevisível. Não sabemos se atingirão a maturidade democrática necessária ou se reproduzirão as gestões personalistas, corruptas e autoritárias que combateram. A salutar convivência estabelecida entre a presidenta e o ex-presidente Fernando Henrique aponta para um improvável retrocesso institucional nas relações de poder do estado brasileiro. Isso vale dizer que independentemente de quem vier a governar nossa nação, é praticamente impossível tornar-se um ditador, graças à consolidação da democracia, a liberdade de imprensa e o estado de direito.