Muvuca na lagoa (1)

Estava tudo preparado, o sapo realmente estava decidido. Daquela tarde, não passaria. Os habitantes da lagoa ficaram na expectativa. Uns acreditavam, outros não. Alguns até ensaiavam um coro de apoio para sua decisão. Os girinos estavam tristes e agitados com a possibilidade daquilo acontecer. A traíra (peixe) ora dizia que acreditava, ora não acreditava, dependendo de quem estava por perto para ouvi-la falar. A cobra d’água, inofensiva, dizia que estava tudo bom, tudo certo, e não entendia o porquê do descontentamento geral na lagoa. O rato, sorrateiro, ficava pelos cantos ouvindo tudo que os habitantes da lagoa falavam e, no breu, levava as notícias para o sapo em primeira mão.

O sapo era o grande líder da lagoa, cujos habitantes estavam descontentes com a forma de governo adotada pelo anfíbio. O descontentamento era grande. Apenas um ou outro carrapato ficava grudado no sapo, mas, no geral, todos esperavam que a coisas fossem melhorar. No brejo, não havia salário e a principal reivindicação era pela distribuição dos mosquitos, principal fonte de alimento e sobrevivência dos bichos. Acreditavam os descontentes que quem estava mais próximo do sapo comia mais mosquitos, e isso para eles é puro paternalismo. Estavam chateados também pelo fato dele contratar alguns animais que não faziam parte do habitat da lagoa. Eram eles: o chupim (pássaro) e o bode. O chupim somente aparecia na lagoa para pegar sua cota de mosquitos e, após isso, batia asas e aparecia somente no mês seguinte. O bode havia adquirido o direito de pastar no gramado aos arredores da lagoa, além de mamar nas tetas da vaca mimosa que também circulava por ali. No entanto, ninguém sabia ao certo qual era a função do bode naquela sociedade.

A pressão era grande e, apesar de não estar correspondendo às expectativas, o sapo já tinha demonstrado em gestões anteriores que era um animal de boa índole. No entanto, naquele momento, estava deixando a desejar, estabelecendo-se, assim, uma “muvuca” desenfreada na lagoa. Reuniu suas melhores mentes com a intenção de buscar uma solução para o problema. Era inverno e, nessa época, a escassez de mosquitos é grande. Então, o departamento de inteligência decidiu que o anfíbio faria greve de fome, com objetivo de sensibilizar os habitantes do brejo e fortalecer sua liderança que estava abalada. A greve até durou alguns dias, mas logo o sapo encheu a pança novamente.

Nada que ele tentou fazer para acalmar os ânimos na lagoa funcionou. Foi então que tomou uma importante decisão: daquela tarde, não passaria. Convocou uma reunião na beira do lago com todos os bichos e diante deles revelou:
– Camaradas, sei da insatisfação dos senhores para comigo, tento de todas as formas possíveis socializar nossa casa e fazer desta uma morada feliz para se viver. Eu tenho fé, vocês têm fé, e unindo nossas fezes…
Antes que o sapo completasse a frase, a cobra d’água emendou:
– Se unirmos nossas fezes, com certeza, teremos um bom esterco.
Foi nesse momento que a bicharada caiu na gargalhada. O sapo, já desanimado, resumidamente concluiu:

– Hoje tirarei minha própria vida, já que não vejo motivos para viver, sendo que meu povo não me ama mais. Vou me enforcar!
Tudo indicava que realmente o sapo iria se enforcar. A forca já estava pronta, feita com capim do brejo amarrado sobre galhos de árvores às margens da lagoa. A perereca entrou em desespero e desmaiou no colo do bagre (peixe), que não perdeu tempo e foi logo tirando uma casquinha da donzela. (Continua amanhã).