A china de Deng Xiaoping

Foi um encontro inesquecível!
Recebeu-nos no salão de audiências do Palácio do Povo.
Uns cinquenta minutos antes, uma companhia de soldados prestou-nos honras militares fazendo manobras precisas, enquanto, num coral, umas mil crianças agitavam bandeirinhas do Brasil e cantavam velhas canções do folclore chinês.

Foi em 1987, e ele, já com 83 anos, dirigia a China com visão juvenil, implementando as reformas que fizeram aquele país dar um salto para o primeiro lugar na economia mundial em menos de quarenta anos.

Lembro-me bem da resposta que ele deu quando perguntado sobre a sua saúde. Ele respondeu com essas palavras:
– Eu acho que estou muito bem. De madrugada, todos os dias, eu nado durante uma hora. À noite, jogo bridge (uma coisa boa que os ingleses nos deixaram). Por isso, posso dizer que o corpo está bem e a mente perfeita!

Deng Xiaoping morreu aos 93 anos, depois de governar seu país por 14 anos. Ele foi o grande responsável pela implantação daquilo que chamou de socialismo de mercado, uma combinação contraditória de regime político fechado e economia escancarada ao capitalismo internacional.

O talento de Deng está, sobretudo, nessa contradição que fez a China ser politicamente comunista e economicamente capitalista; uma contradição que fez a economia chinesa manter, pelas ultimas décadas, um crescimento acima de dois dígitos.

Deng era o típico líder confunciano. Falava baixo, pausadamente, usando imagens e silogismos.

O incrível, que pouca gente sabe, é que ele passou parte da sua juventude na França, onde trabalhou como operário na fábrica de automóveis da Renault, em Billancourt. Poucos sabem, também, que ele foi bombeiro e auxiliar de cozinha em Paris e estudou em Bayeux e Chantillon.

Foi vivenciando as condições precárias dos trabalhadores franceses daquela época que ele se tornou comunista, depois de aprender os fundamentos da teoria marxista nas escolas da França, onde estudou.     

O que poucos sabem, também, é que as reformas econômicas chinesas não foram decretadas pelo Partido Comunista, de cima para baixo, mas resultaram de práticas de governantes municipais e regionais que as foram tomando à revelia de Pequim.

Deng Xiaoping teve o mérito de oficializar, para todo o país, aquelas iniciativas que já surgiram descentralizadas, nas províncias e nos municípios. Esse caráter descentralizador das reformas econômicas chinesas explica o sucesso do seu governo desde meados da década de 1980.

A par de ser um líder firme e carismático, Deng era humilde, a fim de respeitar o mérito alheio, absorvendo as contribuições de outros líderes. É o caso das quatro linhas de modernização formuladas por Zhou Enlai.

Eu o conheci num momento muito especial. Foi em 1987, quando Brasil e China celebraram o acordo aeroespacial que concebi, como ministro da ciência e tecnologia, com o meu colega Bao Qemig, de que resultou a construção, em Xangai e São José dos Campos,  dos satélites de observação terrestre que, desde os anos 1990, fornecem dados preciosos à agricultura, à previsão climática, ao combate ao desmatamento, ao planejamento urbano e rural.