A Amazônia tem dono?

Fazer como Lula fez, batendo no peito como um gorila e gritando “a Amazônia tem dono!”, como resposta às novas investidas de defesa da “internacionalização da Amazônia”, é tão fácil quanto inócuo. Eu gostaria mesmo era de ver nosso presidente mostrar-se, com decisões políticas corajosas e ousadas e com resultados, digno de ter sob sua tutela uma região tão importante para o futuro da humanidade.

“A Amazônia é importante demais para ser deixada aos brasileiros”, metralhou um editorial do periódico inglês The Independent, logo após a demissão de Marina Silva. Pouco tempo depois, matéria do norte-americano The New York Times levantou a velha questão da soberania brasileira na região, lembrando a famosa frase de Al Gore: “ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade deles, e sim de todos nós”.

A princípio, acredito que esses colegas estrangeiros responsáveis pelos textos citados sejam, sim, movidos pela vontade de fazer o bem e não por interesses econômicos escusos. Afinal, no fundo, somos todos seres humanos com sentimentos (alguns bem no fundo mesmo). Então, esse sujeito, urbano, que trabalha dentro de uma redação, em Manhattan ou em Londres, almoça.

E, depois do almoço, é capaz de dar uma escapada para caminhar no Central Park ou no Hyde Park para ajudar a digestão. Lá – e principalmente se for um dia de primavera – ele sente-se bem, renovado, feliz, relaxado, como freqüentemente acontece com os humanos quando em contato com a natureza. O problema é que, no meio desse passeio delicioso, vem à sua memória a notícia que leu pela manhã na Agência Reuters sobre o desmatamento da Amazônia.

Imediatamente, ele se dá conta de que nos 45 minutos em que esteve passeando desapareceu da última grande floresta tropical da Terra uma área equivalente ao tamanho do Hyde Park (ou cerca de 200 campos de futebol). Ele olha em volta, vê os passarinhos, as árvores, ouve a água correndo em algum riacho próximo e chega à conclusão de que precisa fazer alguma coisa para impedir esse desastre.

O que pode fazer por uma boa causa um jornalista influente de um dos maiores jornais do mundo? Escrever para influenciar pessoas. Mas escrever o quê? Como ajudar a floresta em risco? É possível que alguns de seus velhos professores considerassem automaticamente inferiores os cérebros de quem nasceu abaixo da linha do Equador – pensamento, aliás, que impera aqui também, do lado de baixo: crescemos dentro de uma visão eurocêntrica (e, pode-se dizer, “norte-americanocêntrica” também) tão arraigada que muitas vezes é difícil de ser abandonada.

Seguindo esse raciocínio básico, o “inimigo” que ameaça o seu sonhado e distante paraíso tropical de repente faz-se claro em sua mente: o povo brasileiro! Ignorante, selvagem, bárbaro. Claro! A solução é tomar o comando da situação. Tirar a floresta das mãos deles! Ou pelo menos não deixar tudo nas mãos deles. Afinal, aquela floresta é fundamental para a sobrevivência de todo o planeta, inclusive dele e de seus filhos. E assim, na volta para a redação, nasce um editorial polêmico.

Imaginando que a “internacionalização da Amazônia” realmente se concretizasse, no sentido de tornar-se um espaço transnacional, é muito claro para mim que os europeus ou norte-americanos não seriam capazes de resolver o problema e zerar os desmatamentos, como gostaríamos que acontecesse. E isso não apenas pelos graves problemas culturais resultantes de uma ocupação estrangeira, a começar pelas dificuldades de idioma.

O real motivo do insucesso seria que, apesar de terem parques belíssimos no meio de suas capitais e reservas bem administradas do pouco que sobrou da natureza selvagem em seus países, sua forma de lidar com os recursos naturais é essencialmente a mesma que a nossa. Ou pior. (Continua na edição de amanhã).