Multiplicação dos pães e dos peixes. Ocorreu mesmo?

Uma discussão que vai muito longe gira em torno do fato se realmente aconteceu a multiplicação dos pães por parte de Jesus, ou esse fato narrado na Sagrada Escritura trata-se apenas de uma “janela”, através de qual se vislumbra um horizonte incomensuravelmente maior que o fato em si.

Por milagre, se tem a violação do modo natural das coisas acontecerem, como indica o teólogo Airton José da Silva. O milagre é visto como algo acima ou contra as leis que regem o mundo e a vida dos seres humanos. Qual será a razão para que na época de Jesus existissem tantos milagres e hoje eles não serem tão comuns?
No milagre nomeado como da multiplicação, Jesus questiona insistentemente os seus discípulos acerca de sua identidade, até receber a resposta de Pedro (Mc 8,29): “Tu és o Cristo”. Jesus quer fazer os discípulos compreenderem que Ele é o Messias.
Contudo, teria mesmo Jesus multiplicado os pães e os peixes? Pode ser decepcionante, mas essa dúvida não pode ser colocada de forma tão direta assim, pois desse modo ela não terá solução/resposta. É preciso ir devagar.

É importante ressaltar que nenhum dos textos em questão fala de uma multiplicação dos pães; fala sim de uma superabundância de alimento tirada da escassez reinante. Portanto, você que tem uma Bíblia em casa procure dar atenção ao texto em si, e não aos títulos e subtítulos que as editoras dão aos mesmos (geralmente em negrito).
Através de todos os Evangelhos, verifica-se que o milagre é um sinal. É como um semáforo: o que está em primeiro plano não é a cor em si, mas o seu significado previamente combinado e codificado nas leis de trânsito. O milagre é “janela” que mostra algo a mais. Deve-se caminhar não para a “janela”, mas como que pular esta “janela”, e ir em direção do horizonte que por ela se vislumbra. Os ícones, utilizados nas igrejas, devem ter o mesmo sentido!

A intenção do Evangelho é anunciar a chegada do Messias que traz a salvação. Os milagres devem ser lidos como sinais messiânicos que apontam para uma nova realidade e inauguram um novo tempo. É por esse motivo, que há tantos milagres relatados nos Evangelhos. Vale frisar que o conceito bíblico de milagre não coloca o extraordinário em primeiro plano.
Dessa forma, é preciso:
• Não limitar-se ao aspecto histórico do milagre (mas procurar saber qual é o sentido e a intenção daquela narrativa);
• Não esquecer que a intenção do relato de um milagre não é a de oferecer informações de natureza científica a futuros e distantes leitores;
• Constatar que os textos sobre milagres querem abrir o olhar do leitor para a ação salvífica de Deus e levá-lo a um compromisso com o projeto evangélico.
Os milagres nos Evangelhos giram em torno da questão da identidade messiânica de Jesus, conforme já fora dito. Definida esta, eles desaparecem. Contudo, se Jesus (que também era humano) fez milagres, seus seguidores também poderão continuar fazendo, como Ele mesmo afirmou: “quem crê em mim fará as obras que eu faço e fará até maiores do que elas” (Jo 14,12).
Conclusão: o milagre é meio e não fim em si mesmo.