Deputado quer proibir anticoncepcionais

Escolher engravidar ou não geralmente é uma escolha da mulher e/ou de seu parceiro. Porém, em pleno século XXI, um político quer definir isso. Um projeto de lei (PL) do deputado Márcio Labre (PSL-RJ), visa proibir o comércio, propaganda e distribuição de métodos anticoncepcionais. Para ele, a mulher comete microaborto se usar qualquer tipo de anticoncepcional, como pilula, implante subcutâneo, vacina anti-HCG, DIU e pílula do dia seguinte. Tais materiais, segundo o PL, deveriam ser apreendidos e destruídos pela autoridade competente policial. A produção e a venda poderiam, ainda, levar à interdição do estabelecimento industrial ou comercial. O projeto foi retirado da pauta, mas a repercussão negativa foi enorme.

Nas redes sociais, mulheres e movimentos de defesa dos direitos da mulher, famosos e profissionais de saúde criticaram duramente a ideia do deputado. E apenas um dia depois de lançar o projeto, ele voltou atrás e disse que o PL tinha sido protocolado por engano, pois ainda não estava pronto. Mesmo assim, bate boca em suas redes sociais com pessoas que discordam da ideia, pois se diz pró-vida e que vai lutar por isso em seu mandato. Em uma das suas postagens diz que vai bloquear um seguidor do seu twitter, que escreveu que o deputado não deve somente se representar. Também age de forma mal educada e irônica, quando por exemplo, responde isso: “Não tive a mesma criação que você, que certamente aprendeu a desconfiar de tudo e de todos e acreditar que ninguém presta. Ainda bem que não sou como você”. E em outra resposta, escreve isso: “Eu tenho a prerrogativa de propor aquilo que a minha base e eu acharmos correto. Não é você quem vai determinar o que devo ou não fazer. Entenda como funciona uma democracia antes de passar vergonha aqui na internet. No mais pra você agora vai o block mais do que merecido.”

O deputado ainda frisa no projeto que, o Ministério da Saúde, querendo burlar a legislação, chama tais substâncias e dispositivos de ‘contraceptivos pós-coitais’ ou ‘contraceptivos de emergência’. “Ocultando seu efeito real que é a indução do aborto na fase inicial da gestação, que se inicia na concepção e vai até a implantação da criança no útero”, completa. Também no PL, Labre destaca contar com a “proteção de Deus”, e com o apoio de movimentos pró-vida.

Nota de esclarecimento

Em nota divulgada, o parlamentar justificou o recuo afirmando que o texto do projeto não estava finalizado. “A redação que ilustraria o texto e seria posteriormente protocolada não correspondia aos reais anseios da população que represento. Ao verificar o ocorrido, junto à minha assessoria, verificamos que houve uma falha e que o projeto acabou passando ‘batido’ junto aos demais por mim aprovados”, diz a nota. Porém salienta que o projeto será apresentado futuramente.

Mais um

O deputado tem um projeto que proíbe o aborto no Brasil quando ocorre um estupro ou o feto é anencéfalo. A ideia do parlamentar é permitir somente quando corre risco de morte à mulher.

A proposta prevê suspensão liminar e cassação do registro profissional dos médicos e enfermeiros que realizarem abortos fora dessa hipótese. O profissional de saúde também deverá pagar uma indenização de no mínimo 100 salários mínimos à gestante.

A doutoranda em Educação pela Unisinos e pesquisadora, Jô Antunes, expõe seu ponto de vista sobre o assunto.

Como você vê o fato de existir um projeto como esse em pleno século XXI?

É no mínimo lamentável, estamos retrocedendo a passos largos para a Idade Média. Importante lembrar que na inquisição queimavam “mulheres hereges”, hoje evidentemente esta prática não se dá na forma literal, mas a “inquisição” está presente nas concepções e visões de mundo por exemplo deste parlamentar do PSL que propôs esta matéria com uma total ignorância sobre a temática. Este projeto é uma afronta aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos continua não apenas atual, mas necessário para o fortalecimento da luta por liberdade, autonomia e autodeterminação das mulheres.

Estou vindo de um Doutoramento sanduíche na Universidade de Coimbra em Portugal e com as devidas proporções e peculiaridades, Portugal está há “anos luz” nesta discussão, por exemplo o aborto em Portugal é legalizado desde 2007 até a décima semana de gravidez. E nós precisamos falar sobre a descriminalização do aborto num país em que há um milhão de abortamentos por ano segundo a OMS. Nesse sentido continuamos ecoando a palavra de ordem do feminismo dos anos 60 : “ Nossos corpos nos pertencem”.

Mesmo que o deputado tenha retirado, ou voltado atrás isso preocupa?
Sim, preocupa e preocupa muito, embora tenha retirado por conta das críticas que sofreu, como falei anteriormente esta é a visão de mundo, a concepção que permeia as ações deste deputado, ou seja, pautado sobretudo num discurso moralista e religioso. Portanto como ele mesmo disse: “retirou, mas o projeto será apresentado futuramente”.

Simone de Beauvoir nos lembra: “Nunca nos esqueçamos que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Neste sentido em que os nossos direitos estão sendo ameaçados, convoco todas as mulheres a manter-se vigilantes.

Como militante, qual a sua análise?

O movimento feminista é um movimento social, filosófico e político, que tem por meta direitos equânimes e uma vivência humana liberta de padrões opressores baseados em normas de gênero, motivada principalmente pela experiência feminina. Entendo que este parlamentar do PSL, faz parte daquele perfil de políticos que gostam de estarem na mídia, estarem em evidência com temas polêmicos, mesmo que isso gere críticas, é uma estratégia de promoção e visibilidade. Terceiro esse projeto é um retrocesso às políticas públicas dos direitos sexuais e reprodutivos. Cuja política tomou corpo e teve visibilidade por meio das ativistas feministas. Por último, nós mulheres precisamos dar voz aos coletivos feministas, a linguagem significa liberdade, o silêncio é opressão e violência; visibilidade é protagonismo, faz-se necessário que as mulheres exercitem a palavra, ocupem espaços, gerando alternativas nas estruturas sócio políticas estabelecidas. Portanto a palavra de ordem atual é: “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”.

Como ficam os direitos das mulheres?

As políticas públicas para mulheres vinham nos últimos anos num ascendente, muitas conquistas, como por exemplo a Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, a representatividade de mulheres em espaços de decisão como a Secretaria para mulheres (que foi extinta), na área da pesquisa muito fomento às questões relativas a esta pauta entre tantas outras. Com a eleição de 2018 lamentavelmente estas conquistas estão ameaçadas e há uma conjuntura “favorável”, um cenário e condições políticas para um retrocesso sem precedentes, ou seja, de perdermos muitos dos direitos conquistados. Neste sentido quando falamos em direitos falamos como diz Rabenhorst “de desejos e da necessidade que possuímos de viver em mundo mais justo”, portanto não é com esse tipo de PL que as mulheres terão vida digna e em abundância, sobretudo vale destacar que é um homem propondo políticas públicas para as mulheres e isso é inaceitável.

Deputadas catarinenses se manifestam sobre o assunto

Para a deputada Carmen Zanotto (PPS), o projeto de lei não passaria nas comissões, inclusive porque o planejamento familiar é garantido através do SUS com os métodos anticoncepcionais.

Ela ressalta que a iniciativa parlamentar é livre, mas entre apresentar o projeto e ele ser aprovado tem um caminho longo. “Provavelmente na comissão de Seguridade Social e Família, ele não teria sucesso, mas tudo depende do debate que aconteceria e do relator. Hoje, a mulher e sua família tem direito de definir quantos filhos deseja ter, inclusive acesso a métodos definitivos como laqueadura e vasectomia”.

A deputada federal Caroline de Toni (PSL), através de sua assessoria de imprensa, disse que aguardará a apresentação do novo texto e sua fundamentação para se pronunciar.

O Correio Lageano procurou a bancada feminina catarinense na Câmara dos Deputados e não obteve retorno das outras deputadas.

Métodos não são abortivos

A ginecologista e obstetra Tatyana Stenger Batista, afirma que vivemos em um país onde mais de 50% das gestações não são planejadas. “A maioria são desejadas, mas não planejadas, qual a diferença? Uma coisa é você querer, aceitar estar grávida, a outra é planejar. É o melhor momento da minha vida, do meu casamento, ou da minha saúde, para engravidar?”. De qualquer forma, ela considera que o momento da gravidez ocorrer ou não deveria ser uma escolha da mulher com o seu parceiro.

Ela frisa que o Estado deve ser laico e a bancada religiosa não pode impor sua visão fanática. “Se eu tiro os métodos anticoncepcionais não estou deixando apenas aquela mulher que não tem um parceiro fixo engravidar, estou tirando o direito reprodutivo do homem também, dele escolher quando quer ter filhos, sendo a proteção dele através do preservativo”.

A médica lembra que nem todas as mulheres têm saúde para engravidar. “Nem todas as pessoas podem ter sete ou oito filhos, ou que, se não quiserem ter filhos que vivam em abstinência sexual”. Ela comenta que possui pacientes com pressão arterial grave com 30 anos, que correria risco de morte se engravidassem.

Sem aborto

PHD em gineco-obstetrícia e ativista dos direitos reprodutivos, a ginecologista Melânia Amorim afirma que o projeto do deputado cita o implante de progestágeno e vacina anti-hCG, sendo que eles não existem mais. Além disso, o texto fala também do remédio abortivo RU-486, não comercializado no Brasil.

Ela esclarece que nenhum desses métodos é considerado aborto, pois em nenhum ocorre fecundação. No caso da pílula de progestágeno, não há ovulação, o DIU não deixa o espermatozóide subir até as trompas e a pílula do dia seguinte retarda a ovulação e se ela já tiver ocorrido, ela não impede mais a fecundação.

Ela lamenta que o projeto possa ser aprovado e frisa que mais do que nunca precisamos do feminismo e das evidências científicas.