“Não deixaremos a cultura indígena morrer”

Amanda Menger
Tubarão

Notisul – Como é ser índio hoje? Tem muito preconceito?
Floriano
– Não é fácil. Para ser índio, tem que ter terra boa, aldeia. Porque nós não temos terra hoje, faltam alimentos. Porque a terra não é suficiente e isso dificulta a nossa sobrevivência.
Jaci – Acredito que ainda há muito preconceito. Ainda somos remanescentes daquele esteriótipo de que índio é vadio, indolente, mendigo, ignorante. Aqui na região do litoral, temos percebido que há uma mudança neste olhar. Tudo pelo uso da estética, da produção estética do artesanato, vídeos, CDs, da presença dos grupos indígenas na mídia, mostrando toda uma sabedoria, cultura profunda. Outro aspecto que tem favorecido uma mudança de olhar é a visitação de escolas, de estudantes às aldeias e os corais guarani visitando as escolas.

Notisul – Vocês são em quantos índios na aldeia? Como são as condições de vida?
Floriano
– Somos em 150 pessoas, a maioria crianças. Para nós, (as condições) poderiam ser melhores se tivéssemos mais terras.
Jaci – Nesse momento, já temos a alegria de ver que os índios não estão mais morrendo de fome. No entanto, a precariedade é grande. Só no ano passado é que foram compradas três aldeias com dinheiro de duplicação da BR-101, por exigência do Banco Mundial, que diz que é necessário devolver terras para os indígenas. Mas, estas três áreas são insuficientes, precisariam de no mínimo mais quatro propriedades para que eles possam voltar para a floresta. Eles dizem para mim assim: “A floresta que estamos recebendo vai nos ensinar a viver na floresta de novo”. A situação é séria, é grave. Índio sem terra não consegue sobreviver, porque a terra não lhe dá só o alimento para o corpo, mas também para a alma.

Notisul – Com a falta de terra, vocês precisam vender artesanatos nas cidades. Como funciona isso, é possível conseguir uma renda a mais?
Floriano
– Praticamente todos ajudam a fazer o artesanato. Mas, para fazer este artesanato, também precisamos de terra, porque retiramos da floresta o material para fazer as peças, que são variadas: cestas de diversos tamanhos, pequenas estátuas de animais, entre outros. Quem vai para a cidade vender, vende não apenas as suas peças, mas as dos outros também, e o dinheiro é todo devolvido para quem fez a peça. Com este dinheiro, é possível comprar roupas para as crianças, alimentos, material escolar…

Notisul – E as pessoas nas cidades tratam vocês bem? Valorizam o trabalho artesanal?
Floriano
– Nem sempre. Tem pessoas que nos odeiam, tratam mal. Tem outras que param, olham, elogiam e compram algum produto. Mas o que conseguimos com o artesanato é muito pouco, porque não temos lugar para vender. No período do inverno, fica ainda mais difícil; no verão, nós vendemos mais.

Notisul – Como vocês mantêm a cultura?
Floriano
– É de pai para filho. Os mais velhos ensinam os mais novos, assim que nós mantemos a nossa cultura. Entre nós, só falamos guarani. As crianças aprendem o português quando vão para a escola, e falam quando estão lá e quando precisamos ir a cidade para vender os nossos produtos.
Jaci – O movimento de devolução deles para eles mesmos, no sentido de revalorizar sua auto-estima, autonomia e a condição de auto-sustentação, que é um tripé que o programa “Revitalizando culturas” usa, é o caminho para que eles possam devolver a eles mesmos a sua cultura. O grande passo é a manutenção da língua, porque é o ponto de identificação do grupo.

Notisul – A escola auxilia vocês a manterem a cultura?
Floriano
– Ajuda porque tem o professor bilíngüe, que geralmente é um índio também, e ele conhece a cultura, os valores, aquilo que acreditamos, e ele repassa isso para os alunos.
Jaci – A volta da escola bilíngüe em 1998 é uma primeira obediência que o governo fez a Constituição de 1988. Só que tudo é muito novo, os professores guarani estão sendo formados ainda. Há um movimento de recuperação da cultura, ele é iniciante e precisa ser fortalecido não apenas dentro do grupo indígena, mas também no Brasil. Precisamos aprender sobretudo a língua guarani.

Notisul – As pessoas ainda ficam surpresas quando se fala em povos indígenas?
Jaci
– Realmente, quando nós olhamos o diferente cultural, o japonês, o chinês, o coreano e os índios, achamos que são todos iguais. As palavras indígenas e índio são erradas, isso não existia, surgiu apenas há 500 anos, com o descobrimento do Brasil, com a invasão cultural feita pelos portugueses, que achavam que estavam chegando à Índia, e eles chamaram a todos de índios. E isso prejudicou a visão que se tem destes grupos. Em 1500, eram 900 grupos com mais de 300 línguas diferentes e com uma língua inter-tribal que era o tupi-guarani, e eles tinham muitos dialetos. Hoje, ainda existem mais de 180 línguas faladas, existe a dicionarização do mbya-guarani, do tupi-guarani. Infelizmente, a gente estuda mais o grego, o latim, o inglês do que o guarani. Cada povo tem sua cultura, sua língua, seus costumes, culinária, arquitetura, gostos, valores diferentes, como qualquer outro grupo humano.

Notisul – Qual é a diferença entre o pajé e o cacique? Como eles são escolhidos?
Floriano
– O pajé é como se fosse um médico, ele vive na casa de reza e ajuda a curar as pessoas com as ervas, com produtos que estão na mata. É um conhecimento repassado dos mais velhos para os mais novos. O cacique é como se fosse um prefeito, governador, ele que decide o que os índios vão fazer, as regras conforme as tradições. Eles são escolhidos pela comunidade. O meu irmão, Eduardo, é cacique e é bem jovem. Tenho 27 anos, e ele é mais novo do que eu. Todos gostam dele e confiam nele, por isso ele foi escolhido para ser o cacique.

Notisul – Qual é a expectativa de futuro para estes grupos indígenas?
Floriano
– Nós vamos continuar vivendo, procurando manter nossas tradições e cultura. E a Semana dos Povos Indígenas, que termina no dia 19 (este sábado), serve para falar dessa cultura que não vai desaparecer não. Não vamos deixar.
Jaci – Acredito no que Floriano disse. Eles vão continuar vivendo, sim, e tenho bons motivos para crer nisto. Existe um movimento internacional. No dia 13 de setembro de 2007, a Organização das Nações Unidas (ONU) sancionou o documento com a “Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas”, assinado por 128 nações. Isso significa uma luta de mais de 30 anos e que 302 milhões de indígenas no mundo têm a sua declaração garantida. Os países estão admitindo que existem povos dentro de seus territórios. Uma série de reivindicações que os movimentos estão fazendo dentro dos países tem o respaldo da ONU. É uma consistência jurídica que dá condições de criar leis, no caso brasileiro, algumas já estão previstas na Constituição de 1988.