“A duplicação é uma novela”

O professor José Müller é natural de Monte Negro (RS), mas se considera catarinense e tubaronense. Como ele mesmo diz, “é catarina desde 12 anos e tubaronense desde 1958”. Filho de agricultor, foi aluno da primeira turma de ciências econômica da Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina (Fessc), que deu origem à Unisul. Ele dirigiu projetos de pesquisas da Faepesul e coordenou a universidade. Também foi reitor. José é especialista em história, geografia e economia voltada ao desenvolvimento regional sustentável.

 

 

Karen Novochadlo
Tubarão
 
 
 
 
Notisul – O senhor realizou um estudo sobre as obras de duplicação da BR-101. Como vê a questão?
Professor Müller – A história da BR-101 não é diferente de muitas obras. Sabemos que temos atrasos na área da saúde, educação e segurança, saneamento básico. Na infraestrutura, nem se fala. Na parte rodoviária, só em Santa Catarina, deve haver mais de uma dezena de atrasos. No Brasil, são umas centenas. Não é novidade a demora. É uma verdadeira novela. Novela a gente assiste enquanto está satisfeito. Do contrário, desligamos ou mudamos de programa. Estamos tentando tirar essa TV do ar e não conseguimos. E estamos lutando, como um bebê esperneando. Não conseguimos sensibilizar ações federais.
 
Notisul – O que causaria os atrasos dessas obras?
Professor Müller – O atraso ocorre devido a muitas razões. O executivo não consegue governar o governo, muito menos o país, o estado e o município. Tudo depende de acertos, negociações e ajeitar cargos. Nós temos muitos políticos obcecados em ter uma fatia de poder e dinheiro do que em desenvolver o país, os estados e a nossa região. Esse atraso eu resumo em cinco causas reais. A primeira não declarada é a míope visão do governo federal quanto às necessidades e potencialidade da realidade geopolítica brasileira na América do Sul, em uma visão de termos econômicos, políticos e culturais. A segunda causa é a improvisação das gestões presidenciais. Como não existe um projeto prospectivo de nação, cada uma fica improvisando e perdendo tempo para acertar cargos políticos. Só no Brasil, tem 25 mil cargos políticos comissionados no governo federal. Se somar todos dos estados e municípios, devemos ter um valor maior. O governo, em vez de dedicar as energias para construir, tenta dar um jeito de como caminhar. No primeiro ano, não faz nada. Apenas tenta acertar. No último ano, pensa apenas nas próximas eleições. Um governo de quatro anos não funciona nem dois. Essa improvisação leva a ingovernabilidade dos governos. Deveria haver um plano de continuidade. Na terceira, como ocorre essa ingovernabilidade, o próprio executivo torna-se ingovernável e não funciona direito. Uma outra causa eu atribuo à ignorância. Os gestores ignoram, ou seja, não sabem, o significado nacional deste projeto rodoviário. É um corredor de fluxo de pessoas e cargas entre os maiores eixos econômicos da América do Sul: São Paulo, Argentina e Uruguai. Mas não vamos mudar a cabeça lá de Brasília chorando em nível regional. Temos que mobilizar os outros que são prejudicados, como o complexo econômico do sudeste brasileiro.
 
Notisul – Os políticos não têm uma visão do papel do Brasil na América do Sul?
Professor Müller – Não tem. Nem mesmo uma visão clara do Mercosul. Está na nossa constituição criar e ajudar a promover uma comunidade de integração econômica, cultural, educacional, profissional, semelhante à União Europeia. Mas é claro que o que interessa é a parte econômica, que é prejudicada por causa da BR-101. 
 
Notisul – Os engenheiros do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) atribuíram o atraso ao baixo valor das licitações. O que acha? 
Professor Müller – Por isso chamo de novela essas explicações. São para inglês ver. Os capítulos se repetem, as desculpas são tantas. No fim, começamos acreditar que é verdade. Quem faz um projeto de duplicação sabe que implica em estudos ambientais, demográficos, indenizações. Se dizer que a obra para por ter encontrado alguma coisa, significa que não foi planejada com seriedade. Não há interesse de terminá-la. A presidenta Dilma Rousseff (PT), quando abriu a 63ª assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), há pouco tempo, disse que a crise mundial nada tem a ver com a falta de recursos financeiros. Ela tem razão. Dilma afirma que é falta de vontade política e ideias claras. Eu concordo. Por isso que alego que nada do que foi dito até hoje justifica o atraso. 
 
Notisul – Na sua visão, quais são as soluções no caso da BR-101?
Professor Müller – Nós sabemos que, além do nosso interesse, também atrai a atenção de outras regiões, como São Paulo e Argentina. Temos que mobilizar, mas não apenas o espernear infantil que fazemos, com discursos, comissões, conselhos, fóruns parlamentares. O foco é sempre o prejuízo para o sul de Santa Catarina. Mas não pode ser só isso, temos que incluir outros prejudicados, o setor econômicos paulista. Temos que envolver a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e de Santa Catarina (Fiesc). Com números e o nosso peso político, vamos na presidenta. Vamos mostrar quais os prejuízos. Nossa melhor solução é essa mobilização. Na hora que se consegue comprovar,  não é mais preciso reivindicar. Um exemplo é a enchente de 1974. Tubarão sofreu a pior enchente da história catarinense.  No início, parecia que os governos estadual e federal iriam dar todo o apoio. Mas aconteceram enchentes em mais 20 municípios do país. E agora? Precisávamos provar, e isso foi feito, de que a enchente foi mais trágica que as de outras partes do país. Mas isto envolveu os prefeitos, a Fundação Educacional do sul de Santa Catarina (que hoje é a Unisul), o governo da região sul, toda a representação política. Fomos a ministros, principalmente ao da Casa Civil, e à presidência. As medidas tomadas foram rápidas. Precisamos convencer o governo federal de que é prejudicial ao Brasil.
 
Notisul – Faz uns dez anos que começaram a vir obras para a região que ajudarão no crescimento, como o Porto de Imbituba, o Aeroporto…
Professor Müller – A região nunca teve uma oferta de infraestrutura tão variável e ampla como hoje. Mas a duplicação está atrasada, o Porto de Imbituba passa por problemas, no de Laguna foi feita uma obra que não resolve a profundidade do canal. O aeroporto anda, mas o principal não é visto. Ele tem porte para cargas internacionais. Para passageiro, é complementar. Para cargas, pode ter excelência. Mas ninguém fala em alargar a pista e fazer estação de cargas. Temos a Serramar, com a ordem de serviço assinada, mas não para todos os trechos. Temos a Interpraias. Se não estivermos organizados, as obras não significarão desenvolvimento. Iremos crescer, porque estas obras de infrestrurura trarão vantagens para as empresas virem para a região. Se não tivermos organizados, virão empresas e, quando outros locais tiverem vantagens maiores, irão embora. Isto não é desenvolvimento, é economia de enclave. 
 
Müller por Müller
Deus: “Amor, que criou uma criatura fantástica que é o ser humano, parecido com o criador”.
 
Família: “É a célula mãe da sociedade. Do que a própria sociedade vai gerar não só de filhos, mas de ideias, valores, crenças, éticas. Dá a base para uma nação”. 
 
Trabalho: “É a forma mais perfeita que o ser humano tem para associar o intelecto com as mãos e realizar sua vocação”.
 
Passado, presente e futuro: “Passado é aprendizagem. Presente aprende com o passado, para inspirar e fertilizar o futuro. Cada ser humano é fruto de um passado, de uma cultura”.
 
"Até os anos 70, ninguém queria outro emprego que não fosse na Estrada de Ferro, Souza Cruz, Companhia Siderúrgica Nacional. Na época, era a salvação da pátria para a região. O que aconteceu? Fecharam ou se encolheram. Por quê? Empresas de fora provocam crescimento, mas não desenvolvimento".