“(Con)julgando o verbo ‘errar’ sempre na terceira pessoa””

Maciel Brognoli
Escritor e Guarda Municipal de Tubarão

Contarei um fato que ocorreu com um amigo meu. Não se trata de lorota, é verídico. Obviamente eu acrescentei um detalhe aqui, outro ali, mas sem deturpar o contexto do ocorrido. Estava ele, o tal amigo, como todos os dias faz no fim de tarde, na fila de uma panificadora. Aguardava sua vez. Atento a tudo, escutava o pedido de todos os clientes na sua frente.

Até aí tudo bem. Nem poderíamos chamá-lo de enxerido, já que nesses locais escutamos e vemos tudo que as outras pessoas fazem, sem dar a mínima atenção. Mas naquele dia foi diferente, pelo menos para meu amigo, que ouviu um sujeito fazer um “pedido absurdo”:
– Por favor, seis pães franceses daqueles mais moreninhos.

Tudo normal, certo? Não para ele, que é da etnia negra. Ele achou um grande desrespeito à forma como o cidadão fez o pedido. Alegou que o rapaz falou “pão mais moreninho” de forma pejorativa. Tentava humilhar os negros. Tentei argumentar. Disse que a garota talvez não tivesse pensado daquele jeito. Mas o teimoso insistiu que o pedido teve uma conotação preconceituosa.
– Não adianta tentar me convencer, Maciel. A guria foi maldosa. Pensei até em processá-la por racismo, mas como eu sou uma pessoa de paz e não gosto de arrumar confusão, pedi que ela embrulhasse minha “nega maluca” e fui embora.

– Como assim? Quer dizer que pedir pãezinhos franceses mais moreninhos é preconceito contra os negros, mas chamar o bolo de chocolate de nega maluca é normal? Ele deu de ombros, engoliu seco e saiu de fininho.

Com esta história eu gostaria de despertar nos leitores a atenção para uma tendência que tenho observado em nós, seres humanos. Fiscalizamos, cobramos e exigimos punição para as falhas dos outros. No entanto, fechamos os olhos quando devíamos enxergar nossas próprias falhas. Um exemplo oportuno é a condição em que se encontra o trânsito de Tubarão. A frase que retrata a ideia que tento transmitir é a seguinte: “Multe os motoristas ruins que desrespeitarem as leis de trânsito, e oriente-me pela minha pequena distração”. Para deixar mais claro meu ponto de vista, resolvi fazer uma entrevista com algumas pessoas nas ruas. Perguntei: “O que você mudaria para melhorar o trânsito de Tubarão”? Das várias pessoas com as quais tive a oportunidade de conversar, citarei três casos.

Eu sei como algumas pessoas se comportam no trânsito, mesmo sem elas me conhecerem. Não se trata de ficar vigiando o cidadão, mas sim de ver as mesmas situações se repetirem todos os dias com as mesmas pessoas.

Conversei com um casal de idosos. Pedestres, eles transitam todos os dias nas imediações do centro da cidade. Peguei o gancho de um singelo “bom dia” que me desejaram ao cruzarem comigo, e iniciei o bate-papo. Quando entramos no assunto “trânsito”, não faltaram reclamações por parte dos idosos. Aproveitei e perguntei: “O que vocês mudariam para melhorar o trânsito?” O velhinho respondeu:

“Eu multaria todos esses motoristas que estacionam nas vagas de idosos e deficientes físicos. Onde é que já se viu isso? Eles não têm respeito algum com nossa classe que já trabalhou e sofreu tanto nesta vida!”

O segundo entrevistado foi um jovem motociclista que trabalha em uma loja do calçadão. A pergunta foi a mesma. Disse ele:

“Esses ciclistas só atrapalham! Não respeitam nenhuma norma e andam na contramão. O certo é proibi-los de pedalar nas ruas mais movimentadas da cidade!”

O terceiro foi um ciclista que passeia todos os dias na Avenida principal da cidade.
“Estou cansado desses motoristas que não respeitam os ciclistas. Não guardam distância de segurança e cortam nossa frente. Os motoristas são um bando de mal-educados!”

Como podemos notar, todos conseguiram identificar uma falha no comportamento alheio. Mas será que eles conseguem observar os próprios erros? O fato é que sou testemunha ocular de que todos os meus entrevistados também cometem falhas. O casal de idosos constantemente atravessa fora da faixa de pedestres. O motociclista tem a mania de deixar a moto em local proibido, com o argumento de que é “bem rapidinho”. O ciclista transita em cima da calçada e não para quando o semáforo está vermelho, embora tenha que respeitar as regras de trânsito como qualquer outro veículo.

O que precisamos saber e ter consciência, é que o trânsito somente melhora quando mudamos nossas atitudes. O primeiro passo é parar de julgar alguns pelas deficiências no trânsito que só existem em decorrência dos erros coletivos. Se tratássemos de fazer o certo, ao invés de nos justificarmos nas falhas alheias (ele faz errado, eu também posso), tudo seria melhor.

E antes de apontarmos o dedo para os erros dos outros e dizermos “ele erra, eles erram”, é bom olharmos para o próprio nariz e não esquecermos de que o verbo errar, no presente do indicativo, sempre começa a ser conjugado na primeira pessoa do singular: eu erro. Crônica retirada do livro “Hoje vai morrer gente!”