Vivian Garcia Selig – “Precisamos do cidadão de bem a nosso favor”

Com apenas 35 anos, Vivian Selig tem uma trajetória profissional de muito sucesso! Delegada há 12 anos, a maior parte na proteção de mulheres, crianças e adolescentes, acaba de assumir a Delegacia Regional de Tubarão, onde já começou a promover mudanças e traçar metas que prometem reflexos bastante positivos no combate à criminalidade. Orgulhosa de fazer parte do movimento que luta pelos direitos das mulheres, ela sabe que tem uma missão especial na busca do empoderamento e de espaço na sociedade.

Priscila Loch
Tubarão

Notisul – Você é a primeira mulher à frente da Delegacia Regional de Tubarão. Significa muito para as mulheres que lutam pelo empoderamento feminino…
Vivian – Avalio de forma extremamente positiva. Acho que não poderia ter sido em um momento melhor, pelo fato de eu já ter tido meus dois filhos e atualmente estar em uma fase um pouco mais confortável em relação à minha família. Com certo amadurecimento profissional também, fechando 12 anos como delegada de polícia, advinda de Joinville. Trabalho há sete anos já na região de Tubarão. Atuei em plantão em todas as delegacias e atuei em Jaguaruna, coordenação da Central de Polícia e Dpcami. É uma região que conheço a fundo, sei dos problemas, sei das dificuldades de quem trabalha na base. Sinto-me um exemplo para todas as mulheres, e sei que tenho uma missão nessa luta feminina, na busca do empoderamento e de espaço na sociedade de um modo geral, seja na vida profissional ou na familiar. O movimento feminista, a meu ver, não está só querendo igualdade profissional, a mulher também tem que ser tratada de forma igual dentro de casa, da escola, desde menina. É uma discussão mais complexa que muitas vezes fica em, uma seara rasa que seria o profissional. Mas acho que o ‘x’ da questão fica em uma base que começa na família. Nós, pais, deveríamos estar preocupados com isso, na criação de nossos filhos, pois o reflexo vai ser diverso, principalmente na questão da criminalidade.

Notisul – O machismo ainda tem muito espaço.
Vivian – Melhorou, é inegável. Hoje, homens aceitam de forma mais tranquila a igualdade, alguns têm a cabeça bem aberta, mas ainda existem homens e até mulheres com pensamentos muito retrógrados. Claro que é um passo de cada vez, existe um desvirtuamento também dessa luta, mulheres que destoam de um movimento sério, com propósito. Acho que estamos no caminho certo, existem mulheres estudando o assunto e a tendência é só melhorar. Tenho muita fé nas crianças e nas novas mães que vêm criando seus filhos de maneira mais igualitária.

Notisul – Nestes poucos dias que você está no cargo, que diagnóstico é possível fazer da estrutura que você tem à disposição?
Vivian – Da regional, temos dois problemas básicos, que vêm do ano passado, reflexo do temporal – caiu o telhado do prédio da Ciretran e parte do telhado da DRP – e do recesso de fim de ano, que é o acúmulo de documentos de veículos. A meta é colocar em dia até março e ficarmos no patamar de até dois ou três dias para a entrega dos documentos que envolvem a Ciretran. Hoje, está levando em torno de 15 dias. Já esteve pior, fiz algumas modificações, mas tive dificuldades agora em janeiro por causa do trâmite da Operação Veraneio, que baixa o efetivo de uma forma geral e geralmente no verão há uma quantidade significativa de férias, então espero que em março eu consiga regularizar todos os setores. Obviamente que existem setores que não estavam muito organizados. Uma das minhas metas é a reorganização e a renovação de pessoal nos setores. Temos uma polícia de um modo geral, com servidores mais antigos, que preciso iniciar uma renovação. Em cada setor da delegacia regional existe um responsável. Preciso colocar policiais comprometidos e jovens, que tenham ainda um tempo a cumprir de serviço, para que consigamos uma continuidade no trabalho, para que não haja esses percalços de saída de funcionários por aposentadoria ou outras situações. Esse é o meu grande desafio na delegacia regional, que comporta a administração da 5ª região, mais os setores de trânsito, alvarás, jogos diversões, que estão sob a minha supervisão. Já em face da região policial, que comporta 14 municípios e cinco comarcas, um grande passo para nós foi conseguir os dez delegados que ficarão na região a partir da próxima segunda-feira, o que é extremamente positivo. No ano passado, tínhamos em torno de seis delegados. Agora, cada um vai fazer menos plantões. O delegado mais tranquilo atua melhor na sua unidade, fica mais presente para planejar a sua unidade, as suas investigações, porque ele fica mais presente. A renovação das equipes eu iniciei e creio que nas próximas semanas eu consiga finalizar a movimentação de alguns policiais, após o fim da operação veraneio. Isso inclui troca de policiais de unidades, tirando da investigação e jogando para o plantão, tirando do plantão e colocando para a investigação, dando uma ventilada nos setores. Hoje, um dos meus desafios é melhorar a investigação de furtos e roubos na cidade, é uma luta que quero o reflexo nesse ano. O delegado que chegou, dr. André Crisostomo, é jovem, mas com muita vontade. Precisamos de uma incisividade em cima desses crimes. Não é possível que os comerciantes e a população de um modo geral, que batalham para ter as suas coisas, tenham seus objetos subtraídos por criminosos que não estão nem aí.

Notisul – Concordas que o crescimento deste tipo de crime é reflexo do combate ao tráfico?
Vivian – Também. Existe essa parcela. É um ciclo. Já fizemos algumas modificações que necessitavam, e o número de prisões feitas pela DIC nesse ano já está quase chegando à quantidade do ano passado todo, em menos de dois meses. O resultado é extremamente positivo e obviamente que isso reflete um pouco nos furtos e roubos. Sabemos também que no início e fim de ano aumenta a incidência destes crimes, pois existe uma taxa de desemprego, eles precisam ‘recapitalizar’. Mas precisamos, a partir de março, ter uma atuação mais incisiva. Estamos hoje com outra perspectiva de parceria com as instituições, como Polícia Militar, bombeiros, perícia, força municipal, Conselho Municipal. Estamos tentando estreitar as relações para que tenhamos um trabalho mais produtivo em favor da comunidade e que a comunidade, de uma forma mais livre, consiga nos trazer as informações através de denúncias. Vamos atuar nesses grupos para que consigamos essa participação comunitária.

Notisul – A sociedade poderia fazer mais. Até porque não se sente segura para denunciar.
Vivian – É isso que nós queremos. Essa semana, tivemos uma reunião com o Conselho Municipal de Segurança, com representantes de todas as instituições organizadas, bastante produtiva. Precisamos nos unir, porque todos têm uma finalidade comum, que é o bem da nossa cidade e da região. É preciso sim encorajar a população a auxiliar a polícia. Não podemos fazer como aconteceu em algumas cidades de outros Estados, de a população se voltar contra a polícia. Precisamos que a população seja parceira da polícia.

Notisul – Ainda existe um pouco de resistência.
Vivian – Sim. A polícia é um braço do Estado, que vem para atuar em uma série de situações e às vezes o cidadão se sente constrangido. Mas precisamos do cidadão de bem a nosso favor, porque a criminalidade aumenta a cada dia. Então, um de meus desafios é esse: que eu consiga neste ano essa parceira da comunidade de modo geral.

Notisul – Que outros projetos você pode citar?
Vivian – O segundo desafio é a mudança para o complexo de polícia judiciária, que iniciará com duas primeiras mudanças. Nosso objetivo é que a população não tenha prejuízo com essa mudança. O mais rápido possível, dentro de um cronograma com o proprietário do imóvel, vou mudar duas unidades. Quero fazer inicialmente as mudanças do primeiro e do segundo pisos, para que depois não se circule naqueles espaços, Vai se mudar a Delegacia de Crimes Ambientais e Dpcam, que vão fazer parte do primeiro piso, com uma entrada exclusiva e o atendimento permanece especializado. Posteriormente, estando as duas unidades funcionando de forma regular, mudaremos a parte de administração da Delegacia Regional e a DIC. Isso porque com essas mudanças sairemos de três aluguéis. Mudaremos primeiro as unidades que pagam aluguel, para justamente não ter pagamento duplo de aluguel. Existe uma burocracia e, quando essas estiverem funcionando, partimos para uma segunda etapa, que seria a mudança então do Detran, que vai ficar bem na frente do complexo, no térreo. As alterações feitas estarão todas dentro de um padrão para acesso a deficientes físicos. Vai ter elevador. Tudo dentro das obrigações contratuais.

Notisul – E quando pretende fazer a primeira mudança?
Vivian – Eu quero que isso aconteça entre maio e junho. O ideal seria maio, na pior das hipóteses junho. Tem que ser o quanto antes. Na próxima semana, o proprietário deve iniciar as alterações necessárias. Ele vai começar com o primeiro piso. Já batemos o martelo sobre todas as alterações, sobre o que precisa derrubar de paredes, o que precisa construir, onde vão ser a copa, cozinha e banheiros. Ele tem que deixar isso pronto para nós. Já iniciamos orçamentos de divisórias, instalação e reinstalação de aparelhos de ar-condicionado, caminhões de mudança… Estamos correndo contra o tempo. Vou acompanhar tudo de perto, estou centralizando tudo na delegacia regional, porque acho mais prático e não quero envolver os delegados que estão na atividade-fim com esse tipo de mudança.

Notisul – Que mudanças já colocou em prática?
Vivian – O início da reorganização de um modo geral. E o foco principal vai ficar nas duas unidades investigativas da cidade, que são a DIC e a delegacia de furtos e roubos. Temos que trabalhar a união de todas as investigações, incluindo a Dpcami. Teremos, mesmo que pequena, uma dupla de investigadores na Dpcami, inicialmente quatro policiais na Furtos e Roubos, e seis na DIC. Quero união entre as equipes de investigação. É inadmissível que isso não exista, que se tenha egos dentro de uma própria instituição. Já fizemos conversa com a Promotoria, vamos ter com a Polícia Militar, para que consigamos unir forças em prol da cidade e contra a criminalidade. Criminalidade sempre vai existir, só que não podem haver ondas disso. Iniciaremos aqui, com o novo delegado da DIC, a investigação de facções me Tubarão. Serão investigações que logo que encerrar uma começará outra. Será feito um monitoramento permanente de facções na cidade, coisa que também nunca existiu. Não temos um grande poder das facções aqui na cidade, mas temos pessoas-chave que fazem parte de PGC ou PCC. É importante que a Polícia Civil atue nessas frentes. Uma das missões para este ano – e a população vai sentir a diferença – é essa, a investigação de inteligência. O delegado que está chegando já possui certa experiência, trabalhou na Deic, e a tendência é sentirmos esse reflexo já no primeiro semestre deste ano.

Notisul – Como titular na Delegacia de Proteção à Mulher durante tanto tempo, como você avalia o aumento do número de denúncias contra agressores? Realmente cresceu ou as mulheres é que estão mais corajosas?
Vivian – Na minha concepção, a situação permanece mais ou menos no patamar na última década. A violência permaneceu nos mesmos índices, com momentos de pico. Mas, realmente, há um encorajamento das mulheres com relação a denúncias. Isso fica nítido. A lei Maria da Penha está tendo reflexo na prática. A mulher hoje se sente encorajada realmente e a lei trouxe um reflexo positivo. Tem coisa a melhoras, mas penso que traz muitos bons resultados. Penso que em alguns pontos poderia ter uma efetividade um pouco maior, como é o caso da prisão preventiva, que sou um pouco crítica, mas isso não depende só do delegado, depende da promotoria, do judiciário, depende de uma série de situações, que envolvem até advogados que estão ali para defender os seus clientes agressores. Isso prejudica às vezes, porque poderia ter um reflexo ainda melhor. Mas faz parte também.

Notisul – Não dá certa frustração vocês prenderem e logo em seguida serem soltos?
Vivian – Eu pouco me frustro com esse tipo de coisa. Eu sempre procuro ter isso como base do meu trabalho, fazer a minha parte da melhor forma possível. Se nós, como polícia, ficarmos preocupados com isso acaba desestimulando. Quando a nossa função termina, cabe a outras instituições permanecerem atuando.

Notisul – Ainda falando na Dpcami, você trabalhou muito com menores. Como avalia a polêmica em torno de uma possível redução da maioridade penal?
Vivian – A minha opinião é essa mudança é inviável por uma proibição constitucional. Não vejo a possibilidade de isso acontecer com a nossa ordem constitucional atual e penso que algumas alterações no estatuto da Criança e do Adolescente já resolveriam o problema. O tempo de internação poderia ser maior, a própria internação provisória, que hoje é de 45 dias e poderíamos aumentar. Acho que já teríamos um grande reflexo não com a diminuição da maioridade, mas sim com as mudanças no ECA.

Notisul – Um grande problema é que a impunidade dos menores acaba fazendo com quem sejam assediados para entrar no mundo do crime cada vez mais jovens.
Vivian – Os maiores, inclusive alguns pais, são coniventes com essa criminalidade. Por isso, precisamos atuar de forma firme com relação a esses pais e dos corruptores, que estão cometendo uma série de crimes. Algo que reflete diretamente e não só envolve a criminalidade juvenil é a falta de vagas para internação de adolescentes. Temos uma gama muito baixa de vagas para menores que cometem atos infracionais. Hoje, o que dificulta é que a polícia pode fazer um excelente trabalho, mas não teremos vagas para apreender todos os adolescentes problemáticos. No momento que a polícia atuar firme e começar a apreender os adolescentes, não teremos vagas. Chegamos a outro problema, que é a administração prisional e dessas unidades para menores. Isso sim gera impunidade.

Notisul – Nestes 12 anos na profissão, alguma vez sentiu na pele preconceito por estar em uma função predominantemente masculina?
Vivian – Nunca observei nenhum preconceito escrachado. Em algumas oportunidades, senti um pouco de pré-conceito, mas que depois de um tempo veio a ser exaurido. Como eu tenho um semblante bem feminino, acabavam não me dando o valor que eu tinha. Isso foi no início de carreira. Talvez também pelo fato de entrar muito jovem na polícia, com 24 anos, e ser uma mulher bastante feminina, dentro de uma profissão bastante masculina. Com o passar do tempo, consegui jogar terra em cima, mostrei minha competência e conquistei meu espaço. Sempre quis mostrar que o que importava para mim era o lado profissional. Nós, mulheres, precisamos ir com um passo de cada vez. Há uma cultura de séculos, machista.

Notisul – Que casos mais marcaram a sua carreira como delegada?
Vivian – Os que marcam mais acabam sendo os crimes contra a dignidade sexual envolvendo crianças. Em 90% dos casos, envolvendo familiares ou pessoas bem próximas, como vizinhos. Foram os casos mais impactantes para mim pelo reflexo que tem na criança.

Notisul – Na sua visão, quais as principais carências da segurança pública hoje?
Vivian – Efetivo. Inclusive, com a notícia das mudanças na Previdência Social, os policiais estão muito receosos. E quem já tem prazo para aposentadoria está pedindo, mesmo policiais que poderiam trabalhar mais alguns anos, pelo receio de perder ou ter que trabalhar mais não sei quanto anos para poder se aposentar. Estamos tendo um número de aposentadorias gigantesco. Obviamente que este último governo foi o que mais contratou, mas na década de 90 perdemos muito em efetivo e praticamente não foi reposto. Hoje trabalhamos com efetivo de 50 anos atrás, com uma população maior. Precisaríamos de mais policiais, tanto na parte administrativa quanto na parte investigativa. A polícia ficou também burocrática, temos burocracias que devemos obedecer. Temos uma série de planilhas, estatísticas e mapas que preenchemos diuturnamente.