Uma das armas usadas pela Receita Federal do Brasil para pegar sonegadores são os chamados sinais exteriores de riqueza, representados pela posse de artigos de luxo ou a presença em eventos e colunas sociais. A tática, no entanto, não produz o desejável efeito inverso de revelar aos contribuintes eventuais sintomas de prodigalidade no uso do dinheiro público por parte daqueles que têm a indesejável permissão para gastá-lo conforme melhor lhes convier.
Foi graças à publicação do extrato do cartão de crédito corporativo da ex-titular da pasta da secretaria da igualdade racial, Matilde Ribeiro, que o mau uso deste instrumento por funcionários públicos tornou-se o assunto mais comentado na entressafra política, que só terminou após o Carnaval. Mas a sorte foi madrinha e permitiu também que se pudesse espiar por uma fresta – por engano, os extratos dos cartões de alguns funcionários da presidência da República foram parar no portal da transparência – a orgia de gastos regada com os suados recursos dos contribuintes.
Os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), cujos membros vitalícios, quase sempre favorecidos por indicações políticas deveriam, por dever de ofício, ser os primeiros a dar o exemplo, não são exceção à regra da gastança despudorada do dinheiro alheio. Ninguém menos que o presidente do TCE paulista – onde o nepotismo é prática arraigada -, investigado por manter supostas contas bancárias ilegais nos EUA, usava dois empregados da corte para serviços particulares (Folha de S. Paulo, 4/2/08).
Não faz muito tempo, O Globo noticiou que o presidente da câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), mantém 21 servidores públicos cuidando da residência oficial que ocupa, e o presidente Lula, 149 assessores particulares.
Ministros de estado, das cortes superiores e senadores, entre outros, andam de Ômega australianos, vorazes bebedores de gasolina de mais de R$ 130 mil, com motorista. A hospedagem de autoridades, à exceção do presidente, em hotéis de quatro ou cinco estrelas é outro abuso constante, quando não seria nenhum sacrifício optar por um apart-hotel.
Ronaldo Sardenberg, ex-ministro no governo FHC, hoje presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, foi condenado pela Justiça Federal a ressarcir o Tesouro pelo uso particular de um avião da FAB em um vôo à ilha de Fernando de Noronha (PE).
A sentença foi anulada pelo Supremo, embora ele ainda possa ser processado por crime de responsabilidade. É tendência humana atribuir contas e culpas aos outros, e o estado fica à mercê da falta de cerimônia de gente cuja ascensão ao poder infla-lhes o ego, quando o exercício do poder deveria ser pautado pela frugalidade.
A tradição provinciana de autoridades embriagadas com os eflúvios do poder a abusar da máquina de governo teve seu paroxismo quando o deputado Paes de Andrade, então presidente da câmara, empolgado com o exercício interino da presidência da República, levou uma comitiva à sua cidade natal, Mombaça (CE), a bordo do Boeing 707 presidencial, em 1989.
No pitoresco e patético episódio, ele usou 25 veículos do governo cearense e aviões para levá-lo com os convidados de Fortaleza para Mombaça, onde a banda da Polícia Militar ensaiou o hino nacional às 4 horas, acordando a população. Lá, “inaugurou” uma agência bancária que funcionava há quase um ano. O momentoso acontecimento foi noticiado em edições extras dos jornais locais.
Controlar o impulso consumista-exibicionista dessa gente não é fácil; afinal, como disse certa vez Delúbio Soares, o inolvidável ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, réu no processo do Mensalão, “transparência demais é burrice”.