Mário Cezar Oliveira Cardoso – “A escola pública de qualidade é possível!”

Depois de 45 anos lecionando, o professor Mário Cezar Oliveira Cardoso deu um tempo das salas de aula para assumir um desafio diferente: a presidência da Fundação Municipal de Educação e Cultura de Tubarão. Se por um lado a nova função o afasta momentaneamente do que mais gosta de fazer, por outro abre espaço para contribuir com ideias e ações voltadas para a educação de todo o município.


Priscila Loch

Tubarão

Notisul – As aulas na rede municipal de ensino de Tubarão deveriam iniciar na próxima segunda-feira, mas foram adiadas em uma semana. O que motivou esta decisão?
Mário – Certamente, o estudante e a aprendizagem. Uma escola de qualidade social preocupa-se em oferecer um ambiente adequado e seguro para que a aprendizagem significativa ocorra. Este ambiente deve oferecer espaço limpo, seguro e voltado para garantir a saúde da criança e do adolescente. Para isso, a Fundação necessita de tempo hábil para recuperar os espaços de aprendizagem. Ainda há unidades com problemas estruturais, resultantes do vendaval de 16 de outubro de 2016. A nova gestão, preocupada com a segurança dos alunos, professores e servidores, optou pelo adiamento em uma semana para o início das aulas. Porém, no setor público há um trâmite burocrático que impede ações com relativa rapidez. Sabemos que o adiamento causou transtornos a algumas famílias que dependem das escolas e dos Centros de Educação Infantil (CEIs) da rede municipal de ensino. Lamentamos pelos transtornos causados, porém, para garantir a segurança de todos, fez-se necessário.

Notisul – Os pais podem esperar por melhorias neste ano letivo?
Mário – Nosso compromisso é disponibilizar melhores estruturas, com ambiente escolar mais adequado e humanizado, criar melhores condições de trabalho, viabilizar concurso público para contratação de professores, reduzindo o número de ACTs, o que possibilitará maior identidade do professor com a comunidade onde trabalha. Pais, alunos e professores podem contar com nosso empenho e compromisso por uma educação sempre mais comprometida com qualidade e eficiência.

Notisul – Quais as principais carências da educação municipal hoje?
Mário – Temos ciência de que há escolas com estruturas precárias e inadequadas, demanda reprimida na educação infantil, pais que esquecem ou desconhecem o papel da família, pouco exigindo de seus filhos, incapazes de dizer um não! É bom lembrar que é em casa que as crianças devem aprender questões relacionadas a valores, como honestidade, pontualidade, respeito, gratidão e demais atitudes que garantam a boa convivência. A família constitui o primeiro contexto de educação e cuidado. Do ponto de vista legal (Lei nº 9.394/96, art. 29), a educação infantil é a primeira etapa da educação básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando a ação da família e da comunidade. Ressalta-se a palavra complementando no sentido da família não se eximir de sua responsabilidade. À escola, cabe ensinar o conhecimento científico alicerçado aos saberes diversos, reforçando o que o aluno aprendeu em seu contexto familiar. Sem a inversão destes valores, teremos, com certeza, pessoas melhores para o mundo. Há, portanto, uma soma de carências, que se potencializam e dificultam o sucesso do aluno. Essa integração com a família necessita ser mantida e desenvolvida ao longo da permanência do educando nas unidades de ensino.

Notisul – Como professor, como o senhor compara o ensino público e o particular?
Mário – O fato de ser pública ou particular não determina a qualidade da escola. Tenho ex-alunos que sempre cursaram escolas públicas e que, superando as dificuldades, tornaram-se profissionais referências. Médicos, advogados, engenheiros, técnicos, professores… E isto não é privilégio apenas meu! Todos nós, professores, temos exemplos de alunos bem-sucedidos, bem resolvidos. Partilho com muitos colegas a certeza de que a escola pública de qualidade é possível! E que esta escola pública qualificada é o caminho que oportuniza vida mais digna, permeada de vitórias pessoais e coletivas. Muitos de nós – e eu sou um deles – vêm de escolas públicas. Ao mesmo tempo, muito me entristece constatar tantas fragilidades e descasos com relação à escola pública. Quero, na função que exerço hoje, oportunizar ambientes para se debater a qualificação e a defesa da escola pública.

Notisul – Qual a situação das escolas municipais de uma forma geral hoje?
Mário – Muitas unidades funcionam em espaços alugados, a maioria antigas residências. Hoje, dos 30 CEIs da rede municipal de ensino, apenas seis são alugados. Sabemos que os espaços não são adequados, mas foram adaptados da melhor forma, a partir de residências alugadas, para atender as crianças de 0 a 5 anos e 11 meses. Mas também é fácil constatar o empenho, o compromisso, a qualidade dos profissionais da rede municipal. É muito gratificante ver o carinho e a dedicação com que nossos parceiros atuam mesmo em ambientes adaptados.

Notisul – Há projeto para reduzir a quantidade de imóveis alugados?
Mário – Temos projeto de ampliar a rede com construções próprias. Estamos identificando terrenos nos bairros que já são de propriedade da prefeitura que precisam ser regularizados para depois montar algumas estruturas para suprir a principal demanda, que é a educação infantil. As respostas que temos dado ao Conselho Tutelar se repetem, porque, por mais que se invista nessas casas, que são alugadas, é impossível colocar mais crianças. As casas foram construídas para morar quatro, cinco pessoas, e de repente colocamos lá dentro 120 pessoas para passarem o dia. Há dificuldade com água, com energia, com saneamento, as salas eram quartos. A estrutura é inadequada, mas nesse momento não podemos desativar nenhuma. Temos que encontrar saídas. E a primeira é encontrar terrenos em áreas estratégicas e que não precisemos gastar com esses terrenos. O que precisaremos gastar é com a estrutura e depois com o funcionamento. Estamos desenvolvendo esse projeto e certamente quando encerrar esse mandato já supriremos essa demanda.

Notisul – Quantas crianças aguardam vagas nos Centros de Educação Infantil e qual a solução para este problema?
Mário – Assumimos a Fundação Municipal de Educação com mais de 500 crianças na lista de espera. Para ser exato, 518 estão aguardando vagas para os Centros de Educação Infantil. Estamos empreendendo esforços para a construção de duas novas unidades Pró-infância, uma localizada no bairro São Martinho e outra bairro São João Margem Esquerda. Também está tramitando junto ao governo do estado a cessão e posteriores adequações da Escola Professora Angélica Cabral, no bairro São Bernardo, e da Escola Visconde de Mauá, no bairro de Oficinas. Concretizadas estas obras, nossa rede de atendimento será ampliada, reduzindo, significativamente, a demanda por vagas.

Notisul – Qual a estrutura da secretaria hoje, quadro, gastos, orçamento?
Mário – Estamos adequando o quadro de profissionais à realidade vinda a partir da reforma administrativa e temos um orçamento, aprovado em 2016, estimado em R$ 60 milhões para os gastos com a educação.

Notisul – Os resultados do Ideb são satisfatórios?
Mário – Considero que sim, uma vez que a rede municipal registrou 6.0 de média geral no Ideb. No ano de 2005, quando foram aferidos os primeiros resultados, a rede municipal registrou 4.7 de média.

Notisul – Implantar ensino integral é citado como importantíssimo por muitos prefeitos e secretários, especialmente no sentido de ocupar crianças e jovens e impedir que se envolvam com drogas e o mundo do crime. Podemos chamar esse projeto de utopia?
Mário – Não, claro que não são utopias! Hoje, temos uma EMEB, a Faustina da Luz Patrício, como nossa única escola integral. Muitos projetos são realizados ali e isto tem garantido que educandos permaneçam na unidade escolar grande parte do tempo diurno, envolvidos com diversas atividades, além do currículo obrigatório na respectiva faixa etária de atendimento. Embora exija mais recursos, ampliar o projeto de escola de tempo integral é um compromisso desta gestão, pois contribuirá para ampliar os tempos e espaços de formação de nossas crianças e adolescentes na perspectiva de que o acesso à educação pública seja complementado pelos processos de permanência e aprendizagem. A atual gestão, Joares/Caio já vem discutindo com seriedade e responsabilidade a abertura de novas unidades e fazê-las funcionar, além do horário normal, em horários alternativos. Temos compromisso e planos, vamos fazer uma Tubarão melhor para todos!

Notisul – O piso dos professores é apontado por prefeitos e governadores como um dos motivos para as folhas de pagamento estarem tão oneradas. Já a categoria considera muito baixo o valor, hoje em R$ 2.298,80. Qual a sua avaliação?
Mário – Embora o salário seja estabelecido na Lei do Piso do Magistério, está baixo para o que a função exige: formação superior, permanentes qualificações, trabalho estafante, equilíbrio psicológico, etc. Acredito numa saída para melhorar a remuneração destes profissionais: gestão pública focada na eficiência, evitando despesas desnecessárias, além de construir mecanismos que permitam valorizar os bons profissionais. Sou defensor da criação de mecanismos que valorizem o compromisso e a eficiência do profissional. Estamos propondo isto junto à gestão e ao Sintermut.

Notisul – A eleição para diretores de escolas pode ser considerada uma conquista para a educação?
Mário – É uma conquista, que não admite recuos. Afinal, esta forma de escolha de diretores, além de democrática, oportuniza que os envolvidos diretamente no ambiente escolar – pais, alunos, professores – participem de forma direta da gestão, através de pessoas por eles escolhidas. Tal mecanismo reduz a pressão que, costumeiramente, os partidos políticos exerciam sobre o ambiente escolar e permite uma gestão focada numa educação que busque eficiência e qualificação dos alunos e professores.

Notisul – O seu nome foi escolhido para o cargo por requisito técnico, e não político, como ocorre na maioria dos casos. Isso realmente anima os pais dos estudantes de que dá para esperar uma educação pública de mais qualidade. O que podemos esperar da sua gestão? Que projetos você gostaria de tirar do papel além dos já mencionados anteriormente?
Mário – O grande projeto que me trouxe à secretaria é de trazer melhorias para o ensino básico do município, começando pela educação infantil e passando para o ensino fundamental. Temos algumas ideias, como abrir escolas aos fins de semana para a comunidade, para reviver brincadeiras, músicas, tradições, e associar tudo ao fortalecimento da nossa cultura. A intenção da nossa fundação em minhas mãos é dar melhor qualidade de ensino às crianças e também valorizar o espaço cultural local, fazer com que as crianças conheçam os espaços, os personagens históricos, o nosso rio, a nossa cultura, as nossas tradições. É dessa forma que quero fazer a inovação dentro da rede municipal de ensino. A ideia é que se abram as escolas de forma organizada e estruturada, para que o ambiente seja usado sem depreciá-lo. Aproveitar esses espaços que ficam ociosos sábado e domingo e oportunizar que as pessoas possam ir para lá e se divertir. Temos um monte de ideias, mas os dias que estamos vivendo são de muitos atropelos e não temos condição de detalhar todas ainda, mas quero que a cultura e a educação caminhem juntas, para que possamos construir uma identidade para o morador da cidade.

Notisul – Os professores precisam estar em constante atualização. De que forma o poder público incentiva essa educação continuada?
Notisul – A educação continuada é um compromisso que está assumido inclusive no Estatuto Municipal do Magistério. Só que tem um detalhe: temos que planejar muito bem para que seja efetivamente voltada para o que nos interessa, que é atendimento na educação infantil e na educação fundamental. Por isso, temos que fazer cursos que efetivamente venham ao encontro dessas razões, caso contrário, só vai encher os professores com informações de cursos que eles não vão aproveitar. Para isso, estamos fazendo um planejamento estratégico para que no ano que vem tenhamos pelo menos uma semana no início do ano em que os professores terão essa oportunidade de estar em contato com pessoas que efetivamente tragam mensagens claras que possam ajudar. Mas o grande projeto desse governo é fazer o concurso público para garantir a redução do número de ACTs. Os ACTs suprem muito a nossa necessidade, são bons professores, têm nos ajudado há anos, mas não é justo que todo final de ano eles vivam uma angústia de não saber se serão contratados, em que escola que irão trabalhar. O ACT nem sempre consegue ter uma identidade muito clara com a comunidade onde trabalha. Nosso intuito é criar um concurso muito democrático, muito transparente e conseguir reduzir o número de ACTs dando aos professores a condição de emprego permanente, estabilidade, para que possam comprar uma casa, um carro, por exemplo, com a certeza de que conseguirão pagar.

Notisul – O senhor concorda que muitos pais confundem as professoras dos CEIs com babás? Como mudar esse pensamento?
Mário – Infelizmente, temos essa dificuldade. Como citei antes, honestidade, respeito, gratidão se aprende em casa, com os pais. Os pais não podem delegar isso a outras instituições. O que escola faz é trabalhar conhecimentos e aprofundar esses valores. Mas, infelizmente, muitos pais entendem que ao deixar as crianças nos Centros de Educação Infantil estão se despedindo. Ela não é filha da municipalidade, é filha de um pai e de uma mãe, e são eles os responsáveis. Lamento muito, como professor, ter ouvido tantos pais ao longo da minha carreira dizerem “professor, faça alguma coisa que eu já não tenho mais o que fazer”. Se o pai não tem mais o que fazer, o que o professor pode? Eventualmente, consegue salvar um ou outro, mas a maioria se perde. Educar pelo não é duro, é doído, mas é pelo não que se educa, e não pela permissividade, não dizendo sim a tudo.

Notisul – O que é fundamental para garantir uma educação de qualidade?
Mário – Primeiramente, são necessários bons profissionais, bem remunerados, pais presentes, que frequentem a escola e não só peguem o filho na porta, que acompanhem as reuniões pedagógicas, compareçam quando são chamados. Professores e pais têm que ser parceiros nessa jornada por uma educação melhor. Todos têm que saber ouvir críticas. Não existe um segredo para se educar, cada um de é um indivíduo com suas próprias características, e a escola e os pais juntos podem dar essa contribuição.