Série Drogas: a busca pela reabilitação deve partir do adicto

Liliane Dias

Tubarão

 

Por mais que pareça batido falar sobre drogas, informação nunca é demais! Na reportagem anterior falamos sobre diferenças das drogas, tipos e sobre elas na atualidade. Hoje, trataremos de questões ligadas as formas de identificar um adicto (dependente químico) e sobre os vários processos de reabilitação.

Seja por meio de grupos de apoio ou instituições, a importância da família nesse processo e do cuidado constante são fundamentais. Mas para que se chegue no processo de recuperação é preciso primeiro identificar o estágio em que o usuário se encontra, já que os adictos apresentam comportamentos diferenciados.

O administrador e responsável técnico da Comunidade Terapêutica Renascer, Yury Sidney Mendes, explica que existem três tipos de usuários. O de uso experimental, que normalmente ocorre por curiosidade ou por desejo de se incluir em um grupo e experimenta a droga. O uso ocasional, já se refere à pessoa que usa de vez em quando, mas não tem problema ainda em relação a dependência química. E o de uso frequente, ou seja, o que passa a usar todos os dias.

O psicólogo Marcelo Ghizzo, acrescenta que o uso ocasional ocorre quando o indivíduo prova a droga, porém não dá continuidade ao uso. “Foi um momento de experimentação e logo após a pessoa continua exercendo suas atividades nas áreas da vida como familiar, trabalho, espiritualidade, lazer e estudos normalmente”, detalha.

Ele conta que quando o indivíduo passa a ter problemas nas áreas da vida, por causa do uso e não é dependente ainda, já se caracteriza como usuário problema.  “Um usuário problemático passa a ter contratempos com a justiça. Um exemplo são atos de agressão física e psicológica ao cônjuge ou familiares. Ser detido por posse, uso de substâncias na rua ou sob efeito de álcool, quando está dirigindo são exemplos”, pontua o psicólogo.

Ghizzo acrescenta que quando a pessoa passa a ter maiores prejuízos ou desiste das atividades nas áreas da vida, aí sim, passa a se caracterizar como um adicto. “Entre as características da dependência está a tolerância à dose, ou seja, a quantidade que sempre fazia uso passa a não fazer mais efeito tendo que aumentar a porção”, explica.

Yuri diz que nem todas as pessoas que bebem se tornam alcoólatras, assim também é para as drogas, nem todos que usaram se tornaram dependentes, porém, dá o diagnóstico de que a pessoa precisa de ajuda. “Quando a pessoa não consegue mais controlar o uso, ela se torna dependente. Um exemplo é do alcoólatra que chega em casa dirigindo alcoolizado, ou vezes tendo brigas em casa, a perda do emprego, não vê isso como problema”, reforça.

 

Como identificar?

Normalmente a família acaba identificando antes do próprio indivíduo que ele precisa de ajuda. “Até pela questão de ele estar anestesiado no uso, seja do crack, maconha, cocaína ou álcool, independente da droga”, conta o técnico.

Se identifica quando o adicto deixa de honrar seus compromissos, começa a mentir, omitir, perde o emprego, começa a roubar, furtar, a literalmente perder do controle em todas as áreas da sua vida. “O indivíduo já apresenta falta no trabalho, escola, faculdade e outros compromissos afins”, complementa Marcelo.

Em certo momento, o adicto percebe que tem problemas decorrentes do uso de drogas. Por exemplo, são atrasos no trabalho, não render tanto na função. Outros problemas estão relacionados a relacionamento afetivo, gastos excessivos com droga, prejuízo nos estudos, demora mais para se recuperar do efeito do uso. Enfim, percebe que o uso prejudica, entretanto, não pensa em parar de usar.

“Mas acredito que o maior de todos os sintomas é do isolamento, ela já não consegue mais conviver com os familiares, não convive mais no meio de trabalho, se isola para poder usar e para poder buscar o prazer imediato. A obsessão pela droga é tão grande que está trabalhando, mas pensando no próximo gole, na próxima dose, mas o isolamento em relação aos familiares, trabalho e ao colégio são os maiores sintomas”, afirma o técnico.

 

Consequências

Na maioria a família intervém, a própria empresa pede que ele se afaste para buscar ajuda, porque acaba colocando em risco funcionários e a própria família por ficar inadimplente ficando sem pagar as drogas que usa. “O consumo se torna constante compulsivo e obsessivo então não tem dinheiro que sustente o indivíduo. Assim passa pelo sentimento de culpa, da vergonha, pela degradação, pela negação, ele acredita que não tem problema, nega e omite. Então as pessoas que estão ao seu redor percebem com facilidade a mudança comportamental, como de ‘palavreado’, gírias, de trocar o dia pela noite para poder usar escondido”, assegura Sidney.

O principal sintoma é a perda do controle, o técnico acrescenta explica que ele usa para viver e vive para usar. “Costumo dizer que tem uma escadinha que leva para um fundo de poço. Ou seja, a dependência em nível mais grave. A negação é quando começa a ‘negar’ o uso, a substituição quando começa a trocar de drogas, para buscar prazeres maiores, a justificação é quando diz que usa com o próprio dinheiro, que trabalha e faz como quer. Depois vem o sentimento de culpa, o desleixo, a vergonha, a degradação. Consequentemente, a desconfiança das pessoas, que mostra que ele já está num estágio bem agravado na questão da doença”, descreve.

 

O que causa a abstinência?

A síndrome de abstinência característica de cada substância, os sintomas da falta da droga no organismo aparecem. Forte desejo ou compulsão ao uso de drogas, abandono de atividades laborais, sociais e de lazer. Esses são os tópicos que mostram quando o usuário já está dependente.

 

Estágios no tratamento

Em relação ao tratamento existem os estágios de mudança. Eles se modificam no decorrer do uso de drogas que são chamados de pré-contemplação, contemplação, preparação e ação.

Ghizzo explica que na literatura é utilizado o exemplo de um relacionamento afetivo. “Por exemplo, o início de um namoro ou noivado, onde tudo é perfeito existe a paixão, onde não se nota os defeitos do parceiro ou parceira. A pré-contemplação, no uso de drogas, é quando o usuário não percebe os prejuízos ou aspectos negativos do uso e não pretende parar de usá-las”.

E acrescenta. “Já na contemplação, é quando se inicia o casamento e já se percebe que o parceiro ou parceira tem características marcantes ou defeitos, que já causam dificuldades na relação, mas o cônjuge pensa: ‘ah, casamento é assim’, tem que ter tolerância para algumas atitudes do parceiro, peço para ele ou ela mudar e tem coisas que vamos aprender a conviver”.

“A preparação é quando já se tem um tempo casado e se pensa como seria a vida de solteiro ou se fosse casado com outra pessoa, pois já percebe que não quer mais estar naquele relacionamento. Mas não toma nenhuma atitude de mudança quanto a isso”. Ou seja, Marcelo explica que a pessoa já passa a perceber e acreditar, que seu problema seja decorrente do uso de drogas e passa a visualizar como seria sua situação sem elas.

Já na ação existe a separação, a quebra do vínculo. “É quando o usuário decide parar de usar a substância. Em cada estágio, o psicólogo trabalha de uma forma, porque no momento em que a pessoa não quer parar deve se fazer um bom vinculo e tenta demostrar que já existem alguns prejuízos. É uma faze muito difícil, porque a pessoa ainda tem muitas vantagens com o uso, sem grandes perdas”, pontua.

 

Aceitação é a base para se reabilitar

Quando o adicto aceita que já não controla a própria vida, ele consegue dar o maior de todos os passos na recuperação. Depois, o momento de buscar ajuda, a primeira ação é abrir o jogo com os familiares. “Em casa com os pais ou companheiro (a), na questão profissional é adequado pedir ajuda aos mais próximos. Normalmente em quem se confia como irmão, pai mãe, seu chefe, e expor o problema porque é realmente um problema gravíssimo. É hora de buscar ajuda, na verdade desde o dia que torna o uso frequente”, reforça Yuri.

E quando o momento da ajuda chega, é importante ter conhecimento de que existem Comunidades Terapêuticas, Clínicas, programas do governo como Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Narcóticos Anônimos, Alcoólicos Anônimos, todos são programas de recuperação.

As Comunidades Terapêuticas são locais para acolhimento de pessoas que queiram se tratar e que estão buscando ajuda, é um local que não tem a necessidade de ter especialistas no local como médico psiquiatra, psicólogo, porém, algumas contam com profissionais dando suporte.

“É usada uma metodologia de trabalho em que envolve espiritualidade, laborterapia, reuniões, trabalho de passos. É um lugar que a pessoa vai para um ambiente aberto por livre e espontânea vontade, em que no momento em que ela decide ir embora a vontade dela tem que ser acatada, então seria por acolhimento voluntário”, explica Yuri.

Quanto as Clínicas Psiquiátricas, o técnico conta que o processo é outro. “Já eles podem realizar resgates com equipe especializada, contam com unidade de desintoxicação com intervenção medicamentosa, podem inclusive, interditar o adicto via órgãos capacitados e realmente serem acolhidos de forma involuntária”, expõe.

Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos são programas de autoajuda, onde há ajuda mutua através de experiências compartilhadas e metodologia de trabalhos de passos, que é um trabalho que desenvolve uma reforma intima do indivíduo por meio de contato com Deus. Isso da maneira como cada um compreende, sem falar de religiosidade, mas falando de espiritualidade e principalmente do exemplo, onde as pessoas dão o exemplo de que é possível se manter sobre,  um dia de cada vez, e assim funcionam algumas formas de tratamento.

 

Familiares também precisam de ajuda

De acordo com Marcelo, aos familiares cabe manter uma boa relação e sempre tentar demonstrar o início dos prejuízos. Apontar as mudanças que a pessoa apresenta e sempre dar apoio. Porém, demonstrando limites e principalmente as consequências que o uso traz para outras pessoas. Deve-se acolher, mas também demonstrar as consequências negativas.

Os familiares também podem contam com suporte. “Existem programas como Al-Anon, Nar-Anon, Amor Exigente (Mara Sílvia), que trabalham com os familiares para que eles entendam o processo que vive o indivíduo e principalmente que mostre, que existe uma saída, tanto para a família quanto para o dependente.

Há Comunidades Terapêuticas que também têm programas de atendimento familiar. “Algumas Comunidades trabalham não só o acolhimento do indivíduo, mas também o tratamento da família”, finaliza.

 

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