Euclides foi um matemático que viveu entre 360 a.C. e 295 a.C. Na geometria, reinou absoluto até o século XIX, quando foi parcialmente contestado pela geometria não-euclidiana. Na Teoria da Relatividade, por exemplo, a geometria euclidiana, que considera o espaço imutável, não funciona.
Num 20 de janeiro, como neste domingo, de 1866, decorridos 2.226 anos do nascimento do Euclides de Alexandria, nascia o Euclides de Cantagalo, sociólogo, repórter, historiador e engenheiro que se notabilizaria como escritor, especialmente do épico Os Sertões, que narra uma das maiores carnificinas ocorrida em terras brasileiras (a outra foi a do Contestado).
Abri este texto, que lembra os 142 anos de nascimento de Euclides da Cunha, citando o seu homônimo matemático por ter sempre enxergado uma nítida correlação entre o espaço imutável da geometria do primeiro com os espaços imutáveis dos sertões e a vida imutável do sertanejo, tão magistralmente retratados na obra do segundo.
Quando surgiu a insurreição de Canudos, em 1897, antes mesmo de ser enviado para o “front” Euclides publicou, no jornal O Estado de São Paulo, dois artigos intitulados A nossa Vendéia, onde analisava a refrega. Depois de conhecer de perto a realidade do sertão e do sertanejo – talvez como primeiro repórter de guerra da nossa história – foi, também, o primeiro escritor brasileiro a diagnosticar nosso subdesenvolvimento, revelando dois países contraditórios: o do litoral e o do sertão.
Até o início daquela guerra, as elites do litoral e do sul ignoravam o que fosse o sertão: uma estranha pátria sem dono, abandonada pelas leis e instituições, vivendo sob o jugo dos barões da terra.
O nosso Euclides estruturou sua obra em três partes: “A Terra”, “O Homem” e “A Luta”, e só fala do conflito depois de levantar dados geográficos e culturais da região de Canudos, do Brasil e do continente.
Como prova do caráter insólito do sertão, submete o leitor a um tratamento de choque: o encontro com um soldado que parece dormir, mas que, de fato, ainda que em perfeito estado de conservação, por ter sido naturalmente mumificado pela secura dos ares, está morto há vários meses.
Depois de Euclides, os caboclos do sertão árido da Bahia tiveram sua epopéia revivida no livro Guerra do Fim do Mundo, em que o peruano Mario Vargas Llosa comprova sua extraordinária mestria, reproduzindo fielmente a batalha e, melhor, com impressionante sotaque e estilo baiano.
Se a guerra do contestado fosse acompanhada por um correspondente de guerra da estirpe de um Euclides da Cunha, teria hoje uma dimensão e notoriedade, no mínimo, igual à revolução de Canudos, pois, além de também possuir conteúdo religioso e messiânico, agregava a luta contra a multinacional estrangeira que esbulhou-lhes as terras.