Lava Jato: Temer barganhou ‘poupança de propina quase que vitalícia’

As diversas pessoas físicas e jurídicas envolvidas na rede de lavagem de dinheiro denunciada pela força-tarefa da Lava-Jato, supostamente liderada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), continuavam recebendo e movimentando valores ilícitos. E mais: havia propina com parcelas a vencer ao longo dos próximos anos.

As revelações foram feitas pelo Ministério Público Federal (MPF), após a prisão do emedebista e do ex-ministro Moreira Franco, também do MDB, na manhã desta quinta-feira (21/3).

Há provas concretas de que Michel Temer acumulou um crédito de propina para receber no presente e no futuro, durante anos, já que, com seus atos que beneficiaram o setor empresarial, barganhou uma poupança de propina com resgate quase que vitalício”

Trecho da cautelar apresentada pelos procuradores do MPF

O documento traz o que seria uma planilha da propina (veja abaixo), com dinheiro recebido e a receber. Os procuradores disseram que os pagamentos começaram há 20 anos e prosseguiriam pelo menos até 2088, enquanto durassem contratos que beneficiassem as empresas envolvidas na investigação, como os grupos Rodrimar e Libra.

“Muitos contratos de propina foram feitos para durar anos, quando não décadas. Muitos deles, inclusive, permanecendo devidos inclusive com a saída dos cargos de poder dos integrantes da organização criminosa”, ressalta o MPF.

De acordo com os procuradores, a organização criminosa movimentou mais de R$ 1.800.000.000, com promessas, pagamentos ou desvios de recursos. Segundo as investigações, o grupo praticou diversos crimes envolvendo órgãos públicos e empresas estatais.

Ao longo do dia, a Polícia Federal cumpriu oito mandados de prisão preventiva, dois de prisão temporária e 26 de busca e apreensão nos estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e Paraná, além de no DF. A ação, batizada de Operação Descontaminação, é oriunda da 16ª fase da Lava Jato, chamada Radioatividade, que identificou uma organização criminosa atuando na construção da usina nuclear Angra 3.

A investigação teria como base as delações do empresário José Antunes Sobrinho, ligado à Engevix, e do corretor Lucio Funaro. Sobrinho citou acordo sobre pagamentos indevidos que somam R$ 1,1 milhão, em 2014, solicitados por João Baptista Lima Filho – o coronel Lima, que é próximo a Temer – e pelo ministro Moreira Franco, com anuência do então presidente, no contexto do contrato da AF Consult Brasil com a Eletronuclear.

Além de Temer e Moreira Franco, a pedido da força-tarefa, o juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, determinou a prisão preventiva do coronel Lima e de: Maria Rita Fratezi, arquiteta e mulher do coronel Lima; Carlos Alberto Costa, sócio da Argeplan; Carlos Alberto Costa Filho, diretor da Argeplan e filho de um dos envolvidos na operação; Vanderlei de Natale, sócio da Construbase; e Carlos Alberto Montenegro Gallo, administrador da empresa CG IMPEX.

Também foram deferidas as prisões temporárias de Rodrigo Castro Alves Neves e de Carlos Jorge Zimmermann. Segundo o MPF, a Polícia Federal realizou busca e apreensão nas empresas e nos endereços de todos os investigados, assim como nos de Maristela Temer, de Othon Luiz Pinheiro da Silva, de Ana Cristina da Silva Toniolo e de Nara de Deus Vieira.

O juiz Marcelo Bretas afirmou em decisão que “é convincente” a conclusão da força-tarefa da operação de que o ex-presidente “Michel Temer é líder da organização criminosa”.

Propinas

Os investigadores identificaram que a organização criminosa atuou na construção de Angra 3, praticando crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Os pagamentos ilícitos eram feitos a mando de José Antunes Sobrinho para o grupo liderado por Michel Temer. São apurados desvios da Eletronuclear na contratação das empresas Argeplan, AF Consult Ltd e Engevix.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato, a Argeplan está ligada a Michel Temer e ao coronel Lima. Em 2014, teriam sido transferidos R$ 1 bilhão, referentes à propina da Alumi Publicidades à PDA Projeto e Direção Arquitetônica, controlada por Lima. De forma a camuflar a ilicitude, foram simulados contratos de prestação de serviço entre as duas empresas. O MPF revela que o empresário responsável pelo pagamento do valor afirmou ter prestado contas ao coronel Lima e a Moreira Franco.

Foi identificado, apontou o MPF, um braço da organização especializado em atos de contrainteligência. Esse ramo do grupo atuava de forma a dificultar as investigações, com monitoramento das atividades da força-tarefa, a combinação de versões entre os investigados e a produção de documentos falsos.