Com candidatura à Câmara quase certa, Planalto se volta para o Senado

O conclave é tão antigo quanto a própria Igreja. Em votação secreta, os cardeais escolhem o novo papa logo após a renúncia e a morte do antigo sumo pontífice. As disputas são travadas de maneira silenciosa, mesmo que a política e os interesses deem o tom das reuniões no Vaticano. Até 2017, a eleição do Senado era comparada ao rito católico, pois todas as negociações eram feitas de maneira discreta, com acordos fechados antecipadamente pelos caciques partidários. Tal tradição foi quebrada neste ano, principalmente por causa da renovação na Casa (85%). A disputa, para quem acompanha os bastidores da Esplanada, é a mais emocionante dos últimos tempos, pois os cardeais, representados pelos caciques partidários, expõem as negociações de maneira aberta, sem pudores, pelo poder. “O xadrez é jogado numa sala aberta. Antes, os observadores precisavam olhar pelo buraco da fechadura”, disse um parlamentar experiente do Congresso.

O detalhe é que os arranjos do Senado estão ligados à disputa na Câmara. E vice-versa. Com os acordos fechados em favor do deputado Rodrigo Maia — incluindo os integrantes do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro —, o senador eleito por São Paulo Major Olímpio, da mesma legenda do capitão reformado, lançou o nome à presidência da Casa. Por mais forte que possa ser uma candidatura apoiada pelo Planalto, é apenas um blefe para isolar a de Davi Alcolumbre (DEM-AP), pois, com o favoritismo de Maia na Câmara, é impossível imaginar dois presidentes do mesmo partido no Congresso. O adversário a ser batido pelos governistas é Renan Calheiros (MDB-AL), que enfrenta uma batalha paralela para confirmar a candidatura: o voto secreto na votação de 1º de fevereiro. A partir de decisão de Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a sessão será aberta. Renan sabe que, com isso, as chances reduzem por causa do desgaste diante da opinião pública.

A princípio, os opositores de Renan esperavam uma reação imediata contra a liminar concedida por Mello, mas, possivelmente, ela não virá oficialmente do Senado. Explica-se: o cálculo é que as chances de o plantonista do STF, o presidente Dias Toffoli, e o substituto a partir do dia 13, ministro Luiz Fux, manterem a decisão de Mello são grandes. Assim, a estratégia dos aliados do alagoano se concentra no dia da votação, quando se evocaria no plenário o princípio de independência dos poderes. O plano se completa com mais um detalhe: no dia da eleição, na Presidência da Mesa, estará o senador mais antigo da Casa, José Maranhão (MDB-PB), aliado de Renan. Fato dado, o Supremo, a partir de tal lógica, não teria mais como interferir. Caso nada disso dê certo, e a votação seja aberta, o emedebista deverá desistir da disputa, embolando ainda mais um jogo com pelo menos nove candidatos.

Além de Renan, Alcolumbre e Olímpio, estão no páreo Tasso Jereissati (PSDB-CE), Simone Tebet (MDB-MS), Esperidião Amin (PP-SC), Alvaro Dias (Pode-PR), Sérgio Petecão (PSD-AC) e Angelo Coronel (PSD-BA). Com a eleição aberta, o favorito na disputa seria Tasso, que apenas deixou que o próprio nome circulasse para derrubar Renan. E, caso chegue como favorito, passará o bastão para Simone Tebet, mantendo a tradição de oferecer ao maior partido da Casa — o MDB, com 12 parlamentares. A legenda pode, assim, presidir o Senado pela 12ª vez. Em apenas dois momentos, outros partidos assumiram o comando: o PT, em 2007, com a saída de Renan, e o DEM (antigo PFL), que ocupou a cadeira entre 1997 e 2001, com o baiano Antonio Carlos Magalhães. “Seja qual for o vitorioso, não pode ficar com o carimbo de apoio total do Planalto. É um ônus para o parlamentar e para o governo”, afirma Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

Deputados

“Os senadores são elefantes amarrados em pés de alface. Topam aquele papel enquanto é conveniente, caso contrário, destroem toda a horta”, diz um parlamentar, lembrando uma frase que circula na Casa sobre a aparente passividade dos políticos. O que está em jogo é até que ponto a independência entre Planalto e Congresso atrapalha o Legislativo. A candidatura de Maia, por exemplo, se consolida com o apoio do PSL, que tem uma bancada eleita de 52 deputados. Ao longo da semana, PRB e PSD também anunciaram a adesão ao parlamentar fluminense. As negociações tiraram do jogo João Campos (PRB-GO), considerado um nome forte na disputa. Mas, ao mesmo tempo, abriram espaço para a oposição questionar o alinhamento com o Planalto: “Sou candidato à Presidência da Câmara por um amplo campo republicano e democrático”, disse Marcelo Freixo (PSol-RJ).

“É tempo de observar os movimentos. O jogo ainda não começou por completo, e esses apoios recebidos por Maia antes da partida mais o atrapalham do que o ajudam”, afirma um deputado considerado independente. “A vinculação com o governo pode ser um tiro pela culatra, basta lembrar do caso Severino Cavalcanti.” O parlamentar se refere ao então deputado pernambucano do baixo clero, que derrotou o governista Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), no segundo turno, por 300 a 195 votos. Severino lançou candidatura independente. No primeiro turno, derrotou José Carlos Aleluia e o próprio Bolsonaro, na época um parlamentar considerado folclórico. Moral da história: o baixo clero pode até não ser convidado para as reuniões do conclave, mas pode atrapalhar. E muito.