TV e escola – um negócio desigual

De acordo com o sociólogo brasileiro Herbert de Souza, “a TV oferece uma espécie de curso intensivo, para adultos e crianças, sem nenhum controle social” (SOUZA, 1994, p. 15). Para Betinho, como ficou conhecido o sociólogo Herbert de Souza, “a família exerce seu próprio controle, a escola possui regras, mas a televisão não tem nada disso” (Ibidem, p. 15). E os que propõem controle de qualidade da programação televisiva pela sociedade civil são apresentados como se fossem obscuros defensores da “censura”. Trata-se, porém, de acusação demagógica, porque a censura que justamente deve ser condenada, a que foi praticada por governos ditatoriais no Brasil, correspondeu à censura da liberdade de divergência dos opositores dos regimes ditatoriais.

Hoje, os que são impropriamente acusados de “censores”, são aqueles que lutam pelo direito de divergir das manipulações do regime televisivo. Os censurados de hoje são os que propõem a liberdade de divergir do regime televisivo, são os que propõem controle democrático de qualidade do sistema televisivo. Os censores estão no lado de dentro da televisão. Os censurados são os seus críticos externos. Portanto, a palavra censura é utilizada totalmente fora do seu contexto, para desqualificar politicamente os que estão do lado da defesa do direito democrático de divergir.

Aos que afirmam que bastaria desligar a televisão ou mudar de canal, Betinho explica que “essa ideia de liberdade diante da TV é ilusória” (SOUZA, 1994, p.15). Não basta que eu mude de canal, mesmo porque, no caso das televisões comerciais, de sinal aberto, em geral saímos da frigideira direto para o fogo. Posso e devo manifestar publicamente minhas divergências, além de divergir em privado, mudando de canal. Posso e devo propor programas diferentes. Censura é, na verdade, tentar reduzir a divergência dos descontentes a um ato privado, desqualificando a manifestação pública desta divergência privada.

A sociedade civil aprovou a proibição da publicidade de cigarros, superando a lengalenga dos fabricantes de cigarro, segundo a qual bastaria que o indivíduo deixasse de fumar. Aprovou também o uso obrigatório do cinto de segurança, o uso obrigatório do capacete para condutores de motocicletas, mas o sistema televisivo ainda mantém o estado e a sociedade civil reféns de soluções meramente individuais (“Não gostou, muda de canal ou desliga!”), porque são as mais convenientes para ele. Como constatou Betinho, “a televisão exerce um efeito muito grande sobre a sociedade, e a sociedade não exerce qualquer controle sobre a televisão. É unilateral esse negócio” (Ibidem, p. 15).

Famílias, escolas e universidades estão empenhadas na construção de um ser humano crítico, criativo, autodirigido, concorrendo com o sistema televisivo de entretenimento para o consumo de massa, que trabalha na direção oposta. O homo sapiens corre o risco de ser substituído por uma massa de consumidores compulsivos, heterodirigidos, de escassa capacidade analítica e, o que é pior para a democracia, com pouca propensão à divergência.
Citação: SOUZA, Herbert de; RODRIGUES, Carla. Ética e cidadania. São Paulo: Moderna, 1994.