Pé da serra: traço de união ou linha de fronteira? (2)

Na primeira parte deste artigo, examinamos a pretensão, veiculada na mídia e na internet, de 11 municípios sul catarinenses formarem uma nova associação. Porém, como se fala frequentemente na área de gestão e negócios, não existe almoço grátis… Na verdade, uma eventual concretização dessa iniciativa configura-se algo como uma auto-mutilação coletiva, visto que esses 11 municípios, em seu conjunto, equivalem a quase 40% da Amurel e da Amrec somadas: dois pertencentes a esta, nove à primeira. Na Amurel, então, o vazio deixado seria de mais de metade dos municípios que hoje a constituem. A Amrec perderia apenas dois, mas com recursos não desprezáveis: Orleans e Lauro Müller.

A principal perda, contudo, não seria para as associações já existentes na região, mas para a nova associação, cujos municípios jogariam fora uma oportunidade histórica de participar, no quadro associativo atual, sem rupturas, turbulências ou sobressaltos, na iniciativa Prosperidade Sul Catarinense, cuja divisa é, justamente, Unidos somos mais fortes. Pra valer. Lançado recentemente pelo governo de Santa Catarina, e abrindo acesso a fundos importantes para o desenvolvimento regional integrado, a Prosperidade Sul Catarinense pressupõe a estabilidade e participação equitativa do atual quadro associativo municipal, seja qual for seu quadro político-partidário. Um cenário de ruptura agora e, consequentemente, de turbulência e instabilidade, viria na altura pior.

Como já foi referido, os municípios em questão possuem um motivo para a ruptura: alegadamente, sentir-se parte de uma identidade regional, as encostas da Serra Geral, vulgo o pé da serra. “Unir a região” – fala-se numa página web da prefeitura de Orleans, onde foi já avançado um nome: Associação de Municípios da Serra Catarinense. Enfim, sejam esses 11 municípios serra ou pé da serra, existe, porém, algo que insiste em ficar sussurrando no meu ouvido: é que, parando um pouco para pensar, deduz-se sem dificuldade que todo o litoral catarinense, de São Francisco do Sul à divisa com Torres, pode considerar-se como pé da serra, ou mesmo serra. Dos cerca de 100 municípios do litoral catarinense, entre sete associações, da Amunesc à Amesc, todos podem reivindicar e ser considerados pé da serra, a maioria deles já incluindo trechos da Serra Geral. Então, qualquer um é serra, ou, então, pé da serra. E eis que 11 entre eles, apenas aqui no sul, vêm reclamar para si mesmos essa identidade.

Então, se a questão é identidade do pé da serra, porque não estender essa identidade a todo litoral catarinense, criando uma imensa e homogênea associação? Difícil. Mais ainda, se pé da serra for considerado serra, tanto para o litoral como para o interior, quase todo o estado é “serra catarinense”. Como reivindicar ser “serra catarinense”, ou mesmo “pé da serra” entre seus pares?
Na terceira parte deste artigo, vamos aprofundar esta questão e tentar deduzir se, no conjunto dos municípios que declararam pretender criar uma terceira associação, existe, realmente, uma identidade exclusiva que justificaria, até certo ponto, essa fragmentação. (Continua na próxima semana).