Pé da serra: traço de união ou linha de fronteira? (1)

Existe um acervo importante de lições da história universal, amplamente ensinadas nas universidades, mas nem sempre aprendidas pela classe política. Platão desejava que os príncipes fossem filósofos e que os filósofos fossem príncipes, sem o que – escrevia o grande gênio, ao qual se deve o termo “academia” – não terminariam os males das cidades. No caso, interessa o que poderíamos aprender, aqui no sul catarinense, sobre fragmentação administrativa ou política de uma dada região; antes, porém, é importante enquadrar o tema do presente artigo de opinião.

A reflexão vem a propósito do assunto do dia na Amurel e na Amrec, com a pretensão recente, divulgada publicamente, de 11 de seus municípios romperem os laços associativos atuais para criar uma terceira associação. Numa página web da prefeitura de Orleans, a nova associação surge já como decidida pelos municípios envolvidos e, até, com nome: Amusc, Associação de Municípios da Serra Catarinense. Seja como for, segundo o que veio para o domínio público, o motivo da rebelião origina-se num ideal de prosperidade das encostas da Serra Geral ou, popularmente, o pé da serra, compartilhado entre esses municípios. Porém, o nome da sigla fala em “serra catarinense” – o que dirão dessa pretensão os municípios da Amures, esses, sim, todos situados na serra?

Posto isto, ocorre logo uma primeira questão: – Será que esses municípios configuram uma microrregião com características realmente diferenciadas? E outra: – Será que essa iniciativa é popular e espontânea, ou ela acontece porque uma ou mais lideranças locais estariam desejosas de um maior protagonismo social e político? E ainda uma terceira: – O que vem a ser, efetivamente, o pé da serra? Uma faixa geográfica dotada de características únicas, inexistentes nos demais municípios da Amurel e da Amrec? Será que essas características são tão diferentes, a ponto de conseguirem configurar uma identidade verdadeiramente distinta dos municípios vizinhos? Será, finalmente, que o pé da serra tem mais vocação para ser uma divisa, uma linha de fronteira ou, pelo contrário, um traço de união da planície litoral com a serra geral e o planalto, do norte com o sul de Santa Catarina?

A União Europeia, por exemplo, vem aprimorando desde há várias décadas sua integração interna, com diluição das antigas fronteiras. O fortalecimento e desenvolvimento das regiões e suas microrregiões, pela interação e a cooperação entre vizinhanças geográficas, foi prestigiada como a solução de desenvolvimento e nivelamento entre países e regiões. Essa nova conquista contemporânea, a de derrubar fronteiras tão antigas como as que modelaram a civilização européia, está hoje na base de inúmeros casos de sucesso regionalista. Regiões e microrregiões situadas em países diferentes, mas com fronteiras e características comuns, cooperam ativamente e integram projetos, práticas e recursos, para se fortalecerem e assegurarem um desenvolvimento economicamente sustentado e ambientalmente sustentável.

A queda das fronteiras, com a cooperação e a integração das diferenças para o bem comum, surge claramente como grande tendência universal para o século 21, cujo símbolo surgiu há 20 anos, em Berlim, com o apoio espontâneo de milhões de pessoas em todo o mundo: a queda do célebre muro que dividia, não só a Alemanha, mas a Europa, Oriente e Ocidente, toda a civilização. Porém, notícias como essa, provenientes desses 11 municípios, fazem recear que uma parte do sul catarinense possa estar caminhando no sentido inverso ao da História. (Continua na edição de amanhã).