O vestibular e suas contradições

O ministro da educação, Fernando Haddad, apresentou, dia 31 de março de 2009, em Brasília, uma proposta de novo modelo de ingresso nas universidades, diferente do atual sistema. O ministro quer “estimular a capacidade crítica dos alunos e a consequente reorientação dos currículos do ensino médio”. Para Haddad, “hoje o vestibular desorienta mais do que orienta a organização curricular do ensino médio”. Na sua avaliação, “os atuais processos seletivos privilegiam a memorização excessiva de conteúdos”. A proposta foi encaminhada à Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que se reunirá no próximo dia 7 de abril.

Não sabemos o que será decidido, se a proposta será ou não aceita e, caso aprovada, quais ajustes serão feitos. Concordo com o ministro Haddad em relação à sua percepção do vestibular como promoção da decoreba, ou seja, do não saber bem sucedido. Qual seria o papel das escolas de ensino médio? Discordo da opção das escolas focadas na aprovação no vestibular. Elas promovem a decoreba e o sucesso individual.

Pelas ruas, encontramos material de propaganda de escolas focadas na aprovação no vestibular: tantos aprovados, em tais universidades, tantos em primeiro lugar. Ora, duvido que tal opção preferencial pela aprovação no vestibular qualifique o ensino médio segundo os princípios pedagógicos contidos na Constituição de 1988. Em linhas gerais, a proposta do ministro Haddad é boa, obrigando as escolas a voltarem suas atenções para o aprendizado crítico, socialmente construtivo, superando a decoreba e a idolatria da ascensão individual.

A proposta do ministro Haddad promoverá um sério exame de consciência sobre o significado pedagógico e sociológico do ensino médio. Escolas cuja meta primordial seja a aprovação no vestibular – como se isso fosse critério supremo de medição de qualidade – representam a degeneração do ensino médio, pelo reducionismo das metas da escola a uma única meta fundamental: passar no vestibular em uma universidade fortemente disputada.

Escolas coerentes com os princípios da Constituição de 1988 priorizam o pensamento crítico, socialmente construtivo, a formação integral de cidadãos. Esta é a razão profunda de ser do ensino médio, e não a aprovação no vestibular. “Se nós não alterarmos isso”, sublinhou o ministro Haddad, “sinalizando para o ensino médio que queremos outro tipo de formação, mais voltada para a solução de problemas, vamos continuar reproduzindo conhecimento que não ajuda o Brasil a se desenvolver”.

Não sei se a proposta do ministro é tecnicamente correta. Um amigo manifestou “dúvidas se o critério proposto é plenamente factível à luz das desigualdades nacionais e dos públicos que acedem à universidade. Uma universidade de caráter continuado, lastreada em educação permanente, tem que ter outros meios de acesso para outros públicos”. Todavia, assim como eu, ele também considera corretos os pressupostos gerais da avaliação de Haddad sobre as contradições sociológicas e pedagógicas produzidas pelo sistema vestibular.