O poeta Orestes

Há 44 anos, em 15 de agosto, morria o jornalista, escritor e compositor brasileiro Orestes Barbosa. Como que a antecipar seu futuro, aprendeu a ler com Clodoaldo Pereira de Moraes, pai do poeta Vinícius de Moraes. Somente aos 12 anos entrou em uma escola, o Liceu de Artes e Ofícios, onde aprendeu o ofício de revisor. Nessa época, começou a interessar por violão e com dez anos já sabia tocar.

Em 1907, aos 14 anos, o menino, que já arriscava alguns versos, conseguiu seu primeiro emprego como revisor no jornal O Século, que tinha Rui Barbosa como mentor político. Sua longa militância jornalística se estenderia ao Diário de Notícias, O Imparcial, A Folha, A Crítica, A Manhã, A Gazeta e A Notícia.

Nessas andanças, entrevistou Dilermando de Assis, o homem que matou Euclides da Cunha; João Cândido, o herói da Revolta da Chibata; e traçou o primeiro perfil biográfico de Cecília Meireles, então com 13 anos. Como jornalista, criticava os acontecimentos e as autoridades da época, não poupando ninguém de suas críticas, sempre ácidas penetrantes.

Essa postura de “jornalista de combate” o levou pelo menos três vezes à prisão. Na revolução de 30 – com o empastelamento dos dois jornais em que colaborava e o fechamento do conselho municipal, seu emprego público -, ele se entregou definitivamente à música popular atrás de ocupação e dinheiro.

Sempre como letrista, foi parceiro de compositores como Noel Rosa, Ataulfo Alves, Custódio Mesquita, Wilson Batista, Francisco Alves e Silvio Caldas. Sua parceria com Francisco Alves, que inicia no fim de 1932 e dura até 1934, resultou em 14 composições gravadas, muitas delas clássicos da nossa música popular.
Em 1933, com Noel Rosa, fez o samba Positivismo, gravado pelo próprio Noel. Outra parceria, não menos importante, foi com Sílvio Caldas, que duraria de 1934 a 1938 e resultaria igualmente em 14 composições gravadas, entre elas a mais conhecida, Chão de estrelas, composta em 1935 e gravada em 1937.

Em uma visita ao poeta Guilherme de Almeida, em 1935, Sílvio Caldas mostrou-lhe uma canção inédita, intitulada Foste a sonoridade que acabou. Terminada a apresentação, a canção recebeu um novo nome: Chão de Estrelas. A mudança ocorreu por sugestão de Guilherme, tomado de súbito entusiasmo pelos versos de Orestes Barbosa. Aos que não ligam o título à música, segue a inspiradíssima letra:

“Minha vida era um palco iluminado/E eu vivia vestido de dourado/Palhaço das perdidas ilusões/Cheio dos guizos falsos da alegria/Andei cantando minha fantasia/Entre as palmas febris dos corações/Meu barracão lá no morro do Salgueiro/Tinha o cantar alegre de um viveiro/Foste a sonoridade que acabou/E hoje, quando do Sol a claridade/Forra o meu barracão, sinto saudade/Da mulher, pomba-rola que voou/Nossas roupas comuns dependuradas/Na corda qual bandeiras agitadas/Pareciam um estranho festival/Festa dos nossos trapos coloridos/A mostrar que nos morros mal vestidos/É sempre feriado nacional./A porta do barraco era sem trinco/Mas a lua furando nosso zinco/Salpicava de estrelas nosso chão/E tu pisavas nos astros distraída/Sem saber que a ventura desta vida/É a cabrocha, o luar e o violão”.

A letra de Orestes Barbosa é tão primorosa que em 18 de janeiro de 1956, o poeta Manuel Bandeira terminava assim uma de suas crônicas no Jornal do Brasil: “Se se fizesse aqui um concurso, como fizeram na França, para apurar qual o verso mais bonito da nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes Barbosa em que ele diz: “Tu pisavas os astros distraída…”. Em 1965, Guilherme de Almeida também enalteceu o poeta: “Nem de nome eu conhecia o autor. Mas o que então dele pensei e disse, hoje o repito: uma só dessas duas imagens – o varal das roupas coloridas e as estrelas no chão – é quanto basta para que ainda haja um poeta sobre a terra”.