O mito da impunidade

 

Há no senso comum brasileiro o mito da impunidade. Afirma-se que no Brasil prende-se pouco e, por isso, há crimes. Como corolário, pregam-se mais prisões, pena de morte, diminuição da idade penal, para atacar a violência. Silogismo falso. O jornal Folha de São Paulo, no dia 25 de março de 2012, no caderno Cotidiano, publicou reportagem cujo título é: “Taxa de presos no Brasil quase triplica em 16 anos”. A cada grupo de 262 pessoas adultas, uma está na cadeia. Nas duas últimas décadas, o percentual de presos em relação à polução vem aumentando vertiginosamente. Entre os dez países mais populosos do mundo, estamos em terceiro lugar na taxa de encarceramento, perdendo apenas para EUA e Rússia. Em condições normais, um aprisionado custa R$ 100,00 por dia. O número de presos no momento custa ao estado o valor de R$ 18,7 bilhões por ano. Os dados demonstram que o crescimento absoluto do percentual de detidos não gerou diminuição de violência.
 
No ano de 2009, apresentei, para o concurso público de ingresso ao cargo de professor de direito penal e processo penal na Universidade Federal de Santa Catarina, artigo científico no qual demonstrei, com base em dados estatísticos oficiais, que no período entre os anos de 2006 a 2009 o Ministério Público de Santa Catarina, em relação a todos os crimes previstos no Código Penal, ofereceu 39.231 denúncias, 56,28% delas imputando crimes contra o patrimônio privado e 30.481, 43,72%, imputando os demais crimes previstos nessa norma. Incluindo nas estatísticas todos os demais crimes previstos em leis especiais, como a de tóxico e tantas outras, chega-se a 33,86% só de denúncias incriminando pessoas por crimes contra o patrimônio privado e 66,13% imputando todos os demais crimes previstos na legislação brasileira (Código Penal e Leis Especiais). Delitos socialmente deletérios são pouco denunciados: Meio Ambiente: 5.140, 4,72%; Consumidor: 582, 0,53%; Moralidade Administrativa: 23, 0,22%; Idosos: 127, 0,12%; Portadores de Deficiência: 6, 0,01%; Preconceito Racial: 2, 0,0018%; Ordem Tributária: 2.538, 2,33%; Lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores: 4, 0,0036%. Aqui está o paradoxo. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, IBPT, em documento datado de 5 de maio de 2009, com informações referentes aos anos 2000 a 2008, o faturamento não declarado das empresas brasileiras foi de R$ 1,32 trilhão, 25,05%; os tributos sonegados por elas somam R$ 200 bilhões por ano, correspondendo a 9% do PIB de nosso país. Isso é um valor muito alto, comparado com a quantidade de furtos e roubos consumados. Some-se a isso a corrupção na administração pública dos três poderes.
 
Os dados referentes a Santa Catarina espelham o Brasil. Esses crimes escondidos na cifra negra não levam ninguém para a cadeia. Aqui, estão os erros do sistema: prende-se mal; ficam soltos milhares de criminosos; impunes crimes gravíssimos; o dinheiro público usado na repressão teria melhor destino se aplicado na prevenção, como em escolas. Justiça social diminui violência: isso muitos sabem, mas poucos querem saber.