Nova leitura, nova postura

Dantes festejado ou, no mínimo, comemorado, o 13 de maio – Dia da Abolição da Escravatura – é cada vez mais esquecido. Não que haja sido tirado do calendário oficial. É que a releitura da história e a dura realidade, ainda vivida pelos afro-descendentes, permite concluir que há mais motivos para lutar do que para apenas festejar. Por isso, toda movimentação, de alguns tempos para cá, ocorre oficialmente no dia 20 de novembro – aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, líder negro que comandou a resistência à escravatura, através da formação de quilombos e, por isso, foi assassinado.
Não que se desconsidere o feito da Princesa Isabel (assinatura da Lei Áurea) ou dos abolicionistas, cujo centenário do maior destaque, Joaquim Nabuco, ocorre este ano.

É que a versão oficial, ao reduzir a escravidão, um dos mais bárbaros crimes da humanidade, a atos de maldade (dos escravocratas) e de bondade (da princesa), dificulta compreender – condição para superar – as raízes do atraso e das persistentes desigualdades no Brasil (75º lugar no IDH), mesmo com todo ufanismo, devido, principalmente, ao fato de ter sido um dos primeiros países a sair da última grande crise econômica mundial (2008), a maior após a quebradeira geral de 1929.

Tal dificuldade provém, por exemplo, da evolução e dos efeitos das formas de produção da economia – com a Revolução Industrial em curso, produziram-se excedentes que o escravo não poderia consumir, porque não tinha renda. Outro fator associa-se à acumulação de capital, que, em muitos casos, ainda mantém a animalização das pessoas como motor.

Assim é que, passados 122 anos da “libertação” e em plena era da economia do conhecimento, prosseguem, no Brasil, “pessoas trabalhando em situação degradante, com jornada exaustiva, dívidas com o empregador, que as impede de largar o posto, e correndo o risco de serem mortas. De cada quatro trabalhadores libertos no país, nestas condições, três são negros ou pardos…” concluem estudos da UFRJ. Aqui mesmo em Santa Catarina, considerado o melhor estado em qualidade de vida, foi, na semana que passou, fartamente noticiada a libertação de trabalhadores de uma ervateira em Ipumirim, no oeste, onde se encontravam alojados em um antigo chiqueiro.

Por outro lado, “a renda de negros, majoritariamente na base da pirâmide social brasileira, cresceu 222% em oito anos, devendo movimentar somente em 2010, 546 milhões de reais, mesmo ainda tendo salário equivalente à metade da do branco, mesmo ainda sendo ignorado por fatia significativa do mercado”. A causa deste crescimento sugere parte da agenda de lutas: maior acesso à educação (de 1998 a 2008, a proporção de negros e pardos adultos no ensino superior passou de 2,2% para 4,7%), ao emprego formal e ao crédito.

Um país que busca e merece destaque no cenário mundial e que deveria fazê-lo pela melhoria da qualidade de vida do seu povo, não pode manter formas de produção escravista, independentemente da cor da pele, tampouco ignorar o potencial de crescimento e de consumo de grupos que já demonstraram que, quando oportunizados, contribuem para a prosperidade coletiva.

À princesa Isabel e aos abolicionistas, o reconhecimento pelos esforços no passado. A Zumbi dos Palmares e aos que contribuem para a promoção da vida de todas as pessoas, a inspiração para o cumprimento da agenda, em parte, acima citada, que visa contribuir para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Afinal, “a paz é fruto da justiça”.