Festa carioca. Festa brasileira

Em 1987, na Itália, fiz amizade com dois sul-africanos, um branco e um negro, amigos. Disseram-me não acreditar no fim do apartheid. Alguns anos depois, o regime de segregação racial acabou e Nelson Mandela foi eleito presidente da África do Sul. Mudança inesperada, radical, positiva.

Em 1990, quando deixei o Brasil para estudar em Roma, pensava que a hiperinflação nunca terminaria no nosso país. Depois, de Roma, acompanhei o nascimento do Plano Real e o seu desenvolvimento. Minhas filhas nem sabem o que significa hiperinflação, há poucas alterações até na mesada delas, muito mais estável do que as das pobres criaturas vitimadas pela hiperinflação, um pesadelo que nos acompanhou por anos. O pesadelo da hiperinflação não existe mais. Mudança inesperada, radical, positiva.

Bem, dentro da história das mudanças que pareciam impossíveis, estamos todos acompanhando a retomada, no Rio de Janeiro, das comunidades dominadas pela criminalidade, que não era tão organizada assim como parecia ser – e menos mal!
Imagino que não há brasileiro que não goste do Rio de Janeiro. O Rio é amado por todos nós. No exterior, o Rio de Janeiro é a imagem do Brasil. Um nosso professor, romano, chamava-me de “carioca”, mesmo se até bombachas eu usava de vez em quando na cidade eterna. Para ele, brasileiros são “cariocas”. Eu não o corrigia, pois gostava de ser chamado de carioca, mesmo sendo gaúcho da gema.

O que ocorre no Rio de Janeiro acaba sendo a imagem do Brasil, no exterior. Ao menos por isso devemos cuidar do nosso cartão postal. Mas o motivo de satisfação é maior, muito maior: a retomada da alegria visível, sorrisos esperançosos de cariocas entre tanques de guerra e soldados fortemente armados.

Trabalhei em favelas nas cidades de Pelotas (RS), Porto Alegre e Florianópolis. Pobreza e criminalidade são realidades diferentes. Assim como há ricos bandidos, há pobres honestos. A associação automática entre pobreza e criminalidade não é sociológica, é estúpida.

A pobreza é combatida com democracia social, com políticas públicas social-democratas. A criminalidade é combatida com força policial, e a principal força da polícia é a inteligência, a organização, a seriedade, além da força das armas. Após a retomada das áreas dominadas pela criminalidade, polícia pacificadora e políticas públicas social-democratas.

Estamos vivendo um “momento lindo” no Brasil, usando a expressão do Roberto Carlos. Momento mágico. Brasileiros do sul e do norte comemorando com os cidadãos e policiais do Rio esta festa de libertação, correspondente nacional do desembarque na Normandia.

Tomara que não estejamos enganados. O povo do Rio de Janeiro merece viver em paz. E que os puxadores de fumo e cheiradores de pó aproveitem a ocasião para buscarem ajuda. Maconha e cocaína não combinam com paz e amor, ao contrário do que afirmam os viciados hipócritas que tentam dar um “sentido moral” ao próprio vício.

Que consigam descobrir as maravilhas contidas em um bolinho de bacalhau com azeite português e limão, acompanhado, se for o caso, de um copinho de chope gelado, bebido socialmente, por adultos responsáveis, em uma favela liberada do nosso tão sonhado Novo Rio de Janeiro.