Espiritualidade no mundo virtual

Vivemos num mundo globalizado onde, com o progresso da ciência, da tecnologia e da informática, as informações chegam aos destinatários em questão de segundos, estreitando cada vez mais os laços que unem as pessoas. Mas, até que ponto esses “relacionamentos virtuais” são positivos para nossa espiritualidade nesse mundo tão avançado da pós-modernidade?

Podemos perceber o quanto é positivo o uso dessa diversidade dos meios de comunicação para a evangelização. De modo algum, podemos dizer que são negativos. Quantas e quantas pessoas enfermas, impossibilitadas de se fazerem presentes em suas comunidades, participam das missas pela TV, pelo rádio e até mesmo pela internet (alguns não participam, mas somente assistem)! A palavra de Deus chega aos lares muitas vezes somente através desses veículos de comunicação. É importante ressaltar que essa “participação” não é equivalente a participação na igreja (física, real concreta, de tijolos).

Porém, vemos que esses meios de comunicação podem gerar certos tipos de “vícios” fazendo com que algumas pessoas que possuem todas as condições de se fazerem presentes em sua comunidade ficam acomodadas em suas casas. E, para essas pessoas, alguns meios de comunicação proporcionam ainda mais o acomodamento espiritual: acendem uma vela virtual, fazem “adoração ao Santíssimo” pela tela do computador, leva-os a dizer: “já participei da missa pela TV. Não preciso mais ir à igreja na comunidade”, etc., legitimando sua ausência na participação da vida da comunidade real, concreta.

Vale lembrar que numa sociedade pós-moderna na qual vivemos os valores do subjetivismo e individualismo “imperam”. Consequente a isso, com todo esse avanço nas áreas acima mencionadas, as pessoas tendem a se fechar em seu mundo, esquecendo-se do compromisso e participação comunitários. Preferem um computador a um amigo no qual possa visitar.

São inúmeras as “comunidades” virtuais presentes na internet, bem como as correntes de oração que são enviadas por e-mails, orkut, blogs, twitter, etc. Tudo isso tem seu valor, pois nos remete a Deus, de certa forma. Porém, é necessário lembrar que esse tipo de relacionamento com Deus não seja um empecilho para o encontro com Ele na Sua casa, em comunidade, nem que somente o “encontro” virtual com Deus, por mais cômodo que seja, baste.

Há certos relacionamentos que são favoráveis através desses veículos de comunicação. Não podemos, porém, absolutizá-los. Acender uma vela virtual não é o mesmo que acender uma vela (de cera!) na igreja ou em sua casa. Fazer uma visita ao “santíssimo” através do computador não é o mesmo que estar diante do Senhor eucarístico. Tudo isso (acender velas virtuais, visitas virtuais ao “santíssimo”) nos faz lembrar o compromisso concreto com nossa comunidade. Por acaso, receber um abraço virtual é o mesmo que abraçar uma pessoa? A “visita de Jesus” por um e-mail é o mesmo que recebê-lo na comunhão? Posso me fazer presente na vida de alguém através de um e-mail. Mas posso também sair do comodismo e ir visitar uma pessoa. Um abraço virtual é bem diferente de um abraço real de um amigo onde se sente o calor humano. Muitos desses relacionamentos são apenas virtuais, e não virtuosos.

Esse tipo de religiosidade virtual é extremamente valioso, já nos afirmava o papa Bento 16 em ocasião do dia mundial das comunicações. Porém, se não soubermos fazer o devido uso, acabamos por deturpar o seu sentido, fazendo com que nossos relacionamentos tornem-se superficiais, favorecendo ainda mais o individualismo e o isolamento, tão presente nos dias atuais. Como nos diz o mesmo papa em sua última encíclica, Caritas in Veritate, no número 53: “Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão”. E essa, segundo o romano pontífice, é fruto do isolamento e autossuficiência.

Estreitamente ligada a essa problemática presente nas pessoas que se prendem a esse tipo de religiosidade é a dificuldade de viver em comunidade, aceitar o outro nas suas diferenças e se comprometer com o bem comum. Esse relacionamento (pelo monitor, pela rádio, TV, etc.) não aproxima afetiva e efetivamente as pessoas. São relacionamentos superficiais, ferindo o princípio trinitário da comunhão que faz com que nos comprometamos com uma causa comum.

Que, com todo avanço tecnológico e científico, os meios de comunicação sejam verdadeiros instrumentos que nos levam a uma maior conscientização do nosso dever cristão de uma participação afetiva e efetiva na vida de nossa comunidade, levando-nos a vivenciar uma espiritualidade encarnada, comprometida com o bem comum.