Casa dos sentimentos

Existem lugares que naturalmente nos assustam, sem sequer conhecermos direito. Uma casa que as pessoas dizem ser mal assombrada, um lugar ermo durante a noite, até mesmo no escurinho do cinema em uma sessão de suspense. Em contrapartida, outros lugares nos transmitem alegria, paz, conforto e tranquilidade. Ou seja: alguns lugares são bons e outros ruins (dependendo do momento) para a convivência das pessoas. Será possível encontrarmos um ambiente onde esses dois sentimentos se misturam? A resposta é sim!

Quando nasce uma criança, os pais costumam dizer que aquele é o dia mais feliz de suas vidas. Mas você já parou para pensar no lugar onde esses momentos de alegria ocorrem? Não? Em mais de 90% dos casos dentro dos hospitais. O mesmo ambiente onde se contempla a alegria da vida, se lamenta da dor da morte. Os sentimentos misturam-se naqueles intermináveis corredores. Ouvimos o primeiro choro de um bebê que nasceu; choro emotivo da mãe que deu a luz; choro de angústia das pessoas que aguardam o resultado final de uma cirurgia de alta complexidade; choro de dor de um enfermo. Presenciamos os abraços de familiares no pai de primeira viagem, abraço de conforto na esposa que perdeu seu marido, abraço da mãe no filho febril que aguarda o demorado atendimento na “emergência”.

Alegria, tristeza, angústia, vida e morte. Tudo isso misturado no mesmo ambiente físico, onde os profissionais que ali trabalham têm de encarar as mais diversas situações com naturalidade. Deve ser por isso que muitos ficam insensíveis à dor alheia. Não é difícil encontrar pessoas que vivenciaram momentos tristes e alegres naqueles corredores, que receberam ligações de dentro de algum hospital. A notícia de uma vida que veio, ou que se foi deste mundo. Quando visitamos parentes ou amigos internados, cruzamos com homens e mulheres carregando os mais diversos sentimentos dentro de si. Tudo é muito embaçado perante nossos olhos. É difícil reconhecer os sentimentos das pessoas dentro da “casa dos sentimentos”. Essas pessoas choram de alegria, tristeza, ou será dor?

Mas o pior de todos os sentimentos é o de desprezo. Sentir-se desprezado nos corredores da emergência aguardando atendimento médico que chega com horas de atraso, é muito humilhante. Muitas vezes as pessoas até morrem aguardando na fila. Por “coincidência” os que mais sofrem sempre pertencem à classe mais pobre. País dos desiguais, com pessoas que tratam outras pessoas de acordo com a quantidade de dinheiro que elas têm no bolso. Para justificar, alegam falta de profissionais, mas se você entrar no mesmo hospital, por outra porta, com dinheiro no bolso, o atendimento é imediato com direito a bajulações e cafezinho fresco. Culpa de quem?

Do governo? Não, a culpa é nossa mesmo. Somos coniventes com a falta de respeito dos nossos administradores públicos, que nos oferecem migalhas como se estivessem fazendo um grande favor. Existe apenas um momento no Brasil (e na maioria dos países) em que todas as pessoas são tratadas de forma respeitosa e homogênea. Esse momento é nas eleições quando o urso acorda de sua hibernação, faminto por votos. E voto não tem cor, cheiro ou gosto, é como água cristalina, é ciência exata, cada indivíduo carrega consigo apenas um, com o mesmo peso. Seja desembargador ou catador de latinhas.

Portanto, use o único poder que foi conferido à todos os cidadãos, sem distinção. Escolha os homens bons que farão de nosso país um lugar melhor para viver, barganhe educação, segurança, saúde… Para que depois sejamos tratados com dignidade nos serviços essenciais, e não mergulhemos no sentimento de esquecimento que vem sendo uma constante na vida da população. Use a sapiência para evitar a falta de paciência futura. Ou fique avesso na política e continue a votar naquele que lhe proporcionar, individualmente, a melhor proposta. Mas lembre-se: na próxima febre que seu filho tiver e precisar de atendimento de “emergência”, não se esqueça de levar uma almofada para ele sentar, senão, além da febre você terá que tratar de um calo na “bunda” dele, de tanto esperar sentado na fila de espera, aflorando em você mais um sentimento muito comum nos hospitais: a raiva.