A constituição e as reformas

O político, jornalista e jurista brasileiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, lá por meados do século 19, fez um discurso que ficou célebre: “Fui liberal; então, a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: a sociedade, que então corria o risco pelo poder, corre o risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis e quero servi-la, quero salvá-la; por isso, sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandonei a causa que defendo, no dia de seus perigos, de sua fraqueza; deixo-a no dia em que tão seguro é o seu triunfo que até o excesso a compromete. Quem sabe se, como hoje defendo o país contra a desorganização, depois de havê-lo defendido contra o despotismo e as comissões militares, não terei algum dia de dar outra vez a minha voz ao apoio e à defesa da liberdade? Os perigos da sociedade variam; o vento das tempestades nem sempre é o mesmo; como há de o político, cego e imutável, servir o seu país?”. A síntese de seu pensamento é: “Fui liberal, hoje sou regressista”.

Pois eu posso dizer: fui Constituinte, hoje anseio por reformá-la!

Neste domingo, 21 de junho, registra-se os 221 anos em que a Constituição dos Estados Unidos foi adotada oficialmente. A primeira, e até hoje única Constituição norteamericana, é composta de sete artigos, com 21 seções, e, nesses mais de dois séculos, recebeu apenas 27 emendas.

Um dos segredos de sua permanência é que exprime um meio-termo entre a tendência descentralizadora, defendida por Thomas Jefferson, que queria maior autonomia política para os estados membros da federação; e a tendência federalista, que lutava por um poder central forte.

Para sorte dos norteamericanos, prevaleceu a tese fortalecedora dos estados e municípios, articulados por um ente intermediário de desenvolvimento regional, o condado, fazendo a conexão entre as instâncias estadual e municipal. Digo sorte porque esse modelo de eficiência local e regional, exaltado por Alexis de Tocqueville, no seu A Democracia na América, é que fundamentou a ascensão dos Estados Unidos à liderança mundial.

Bem ao contrário, mantivemos, na nossa Constituição o mesmo modelo centralizador transplantado para cá pela coroa portuguesa a partir dos chamados governos gerais.
Por outro lado, como se percebeu a posteriori, ela foi maculada por um sentimento de revanche contra tudo o que representaram os 21 anos de governo autoritário, o que demanda uma profunda reforma política, restabelecendo princípios que foram adotados pelos governos militares, como a coincidência das eleições, de vereador a presidente da república, reintroduzindo a fidelidade partidária, reduzindo o número de partidos políticos às quatro ou cinco tendências ideológicas da sociedade brasileira.

O pós-constituinte foi pior. Aprovando a criação de impostos, não compartilhados com estados e municípios, o congresso nacional amputou, ainda mais, a autonomia estadual e municipal, concentrando nos cofres de Brasília dois terços do dinheiro arrecadado com a nossa contribuição tributária.
Reforma constitucional, já!