Os partidos do ‘sim’ e o do ‘sim, senhor’

Víctor Daltoé dos Anjos
Bacharel em Geografia pela UFSC
victordaltoe@gmail.com

Amnésia coletiva. O cronista Ivan Lessa há tempos disse que “de 15 em 15 anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos”. Isso não impede, porém, que algumas lembranças ainda mais antigas sejam pescadas no lago gelado do esquecimento, antes que ele congele totalmente.
Entre 1964 e 1985, uma ditadura estendeu suas asas sombrias sobre este tropical país. Apenas dois partidos gozavam de legalidade: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido oficial do regime, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a oposição controlada e constantemente castrada por cassações, assassinatos e torturas. No marasmo desse autoritarismo, brincava-se que a Arena era o partido do “sim”, e o MDB era o partido do “sim, senhor”. Tempos difíceis.

A partir dos anos 1980, a Arena se transformou no grande caminhão de mudança do PDS (Partido Democrático Social). Aos trancos e barrancos, na estrada esburacada da redemocratização brasileira, alguns partidos políticos foram criados na carroceria do automóvel dirigido por figuras barbeiras, como Paulo Maluf. Dali surgiram o PFL, depois transformado em DEM, e o atual Partido Progressista (PP), que teve inúmeras siglas. O MDB teve o seu mérito de líder no processo de redemocratização, quando ganhou o P e se tornou partido. Entretanto, no próprio fim dos anos 1980, escolheu guinar outro sentido na política, tratando de tentar apagar a sua marca rebelde e democrática e se transformando num partido do ‘centrão’. O PMDB já teve figuras célebres como Ulysses Guimarães. Nos anos 2010 serviu de ninho para o mafioso Eduardo Cunha.

Um partido político, numa sociedade moderna, tem uma ideologia, um programa partidário e representa um interesse específico. Com todos as suas deformações, tanto o Democratas (DEM), como o Partido dos Trabalhadores, quanto o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) têm suas ideologias singulares. Goste delas ou não. O MDB e o PP não têm ideologia. Na noite profana da corrupção, procuram de vela acesa quem lhes conceda a prece mais importante: algum dos 40 mil cargos de nomeação que somam os níveis federal, estadual e municipal do poder. Ocupam o vasto pântano político do ‘centrão’ do Congresso Nacional, para onde escorrem os córregos mais podres da corrupção e da falta de interesse público. Estavam se tornando fósseis, mas engordaram novamente abençoados pelo projeto de poder petista. Suas preces foram atendidas. Passaram a se acotovelar em meio a uma multidão de pequenos partidos e se alimentaram do vasto processo de acasalamento entre o Estado e alguns empresários amigos, os “campeões nacionais”.

Se na esfera federal os dois partidos parecem ser ramos da mesma cepa, no estado e nos municípios qual a diferença entre eles? O que os opõe é uma rede de fios de disputas pessoais e interesses particulares articulados. A compra de votos e o clientelismo político acionados por ambos são as correntes elétricas que percorrem os postes de todos os municípios catarinenses.

Continuamos apenas optando entre os partidos do “sim” e do “sim, senhor”. Logo, o mar do clientelismo político apagou o que foi escrito pelos dois partidos na areia movediça de uma democracia recém-reconstituída. E as cúpulas do PMDB e do PP têm bilhões de motivos para que isso se mantenha.