O mundo no Ano do Cão

Víctor Daltoé dos Anjos
Bacharel em Geografia pela Ufsc
victordaltoe@gmail.com

Uma muralha se ergue. O presidente do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping, pode agora governar por tempo ilimitado. A votação que permitiu que o tapete vermelho de seus mandatos possa ser estendido indeterminadamente foi de 99,8% a favor da proposta. Sendo um pleito comandado por partido único, alguém poderia se perguntar: por que não 150%?

O líder chinês capilariza cada vez mais a rede vascular de censura no antigo Império do Meio, e o brilho vermelho de seu poder ofusca os vizinhos. Assim, uma muralha de governantes ultranacionalistas de direita e de esquerda, pouco afeitos à democracia, aos direitos humanos, às liberdades políticas e civis, deita seus tentáculos petrificantes pelo mundo. Do alto de suas torres de vigilância, o russo Putin, o venezuelano Maduro e o filipino Duterte fiscalizam a inoculação diária de nacionalismo e autoritarismo promovida por uma imprensa comprada e censurada. O processo é cirúrgico e eficiente.

Autoritarismos carcomidos, como o chinês e o cubano, auxiliam na manutenção dessa muralha, que se fecha como um abraço perigoso ao redor da humanidade. O governo de Daniel Ortega na Nicarágua, por exemplo, tem reprimido ferozmente as oposições que se lançam nas ruas contra seu projeto de intervencionismo estatal e assistencialismo. Até os Estados Unidos, enraizados fortemente em uma tradição republicana e democrática, encontram-se atormentados pelo discurso populista de Donald Trump.

A única lufada tímida de alento é o fato de que certos regimes têm sido abalados pelos ventos democráticos, não apenas no mundo árabe, mas com o sepultamento parcial de certas ditaduras ossudas do continente africano. Em Zimbábue e Angola, outros exemplos, Robert Mugabe e José Eduardo dos Santos governaram por 30 e 38 anos, respectivamente. Ambos finalmente deixaram o poder em 2017.

Mas essa brisa de otimismo não está chegando na China. A votação a favor do “mandato imperial” do presidente Xi Jinping ocorreu menos de um mês depois do fim do Ano do Galo, no horóscopo chinês. Envolto pelo manto mofado do nacionalismo autoritário, o mundo entra no Ano do Cão.