A briga pelo poder no Zimbábue

Fernando Rodrigues
Professor de História

O famoso personagem O’Brian, do livro 1984, de George Orwell, argumentou na ocasião das torturas que fez contra o personagem rebelde Winston Smith, que todo o controle e opressão que o “Big Brother”, o Estado totalitário e seus dirigentes faziam contra a sociedade se davam pela busca pelo poder, “o poder pelo poder”. Não se tratava de perseguição de opositores ao Estado revolucionário, cujos ideais eram contestados por pessoas ruins, tampouco seria o autoritarismo e violência do “Big Brother”, justificado pela ganância dos líderes do partido, em se apoderar das riquezas da sociedade. Nada disso. Apenas, “o poder pelo poder”. Em 1948, data da publicação do referido livro, Orwell tinha no horizonte os horrores promovidos pelos Estados totalitários na segunda guerra mundial, o nazismo e o stalinismo. Entretanto, a perspectiva distópica do futuro, não estava, infelizmente, tão distante de se concretizar em alguns lugares, nas décadas seguintes. Fosse no campo capitalista, ou no comunista, da guerra fria, líderes revolucionários, imbuídos de valores supostamente nobres, como a defesa da democracia, por exemplo, empregariam a violência para estabelecer novos governos. Não precisamos ir muito longe para ilustrar uma situação que se enquadre nessa narrativa. Em 1964 no Brasil, alguns militares destituíram João Goulart, presidente eleito, com o argumento de que ele representava uma ameaça à democracia, devido ao incentivo à subversão da ordem e ao comunismo de suas políticas. A alta cúpula militar chamou esse evento de revolução de 1964. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas foram mortas ou desaparecidas até 1985, quando essa ditadura acabou, devido às perseguições políticas. O totalitarismo cria uma nova narrativa, uma nova linguagem, que estelionata e distorce o real, na qual luta por democracia se iguala a ditadura, golpe vira revolução. Torturas e assassinatos se transformam em reeducação, ou em acidentes de trabalho, na difícil tarefa de se obter informações para combater o terrorismo. Orwell chamou esse fenômeno de “novafala”. “Guerra é paz”, “liberdade é escravidão”, são algumas máximas que aparecem em 1984 e que ilustram esse raciocínio. Desse modo, a narrativa histórica, se transforma na mais eficaz ferramenta para encobrir crimes contra direitos humanos, corrupção, violência e assassinato, exploração social, segregacionismos… Que imagem pública teria um líder político que, uma vez no poder, promovesse todas essas atrocidades, mas que, no entanto, na sua narrativa, defendesse que estivesse lutando pela libertação nacional, contra o racismo dos brancos, contra o imperialismo do capitalismo britânico, contra a miséria, e, portanto, lutando em favor da justiça social, da igualdade, pelo fim da exploração, pela distribuição de terras para os camponeses? Esse líder político existe, se chama Robert Mugabe, e esteve a frente do governo do Zimbábue, entre 1980 e 2017.

O Zimbábue, país do sul-africano, ex-colônia inglesa, denominada Rodésia, independente na prática em 1965, mas só reconhecido formalmente como tal em 1980, possui população de 16 milhões de habitantes, com PIB de, aproximadamente, 16 bilhões de dólares estadunidenses (o faturamento da Aplle, em 2016, foi de 46 bilhões de dólares), e IDH de 0,516 (posição 154, num total de 188 países). São números muito modestos, que indicam uma situação socioeconômica muito ruim, que também se manifestam numa taxa de desemprego de 90% da população economicamente ativa, e numa inflação de cerca de 100% ao dia. 13,5% da população possuem Aids, 21% vivem com até 1,9 dólares por dia . Mas como o Zimbábue chegou a essa situação caótica?

Uma vez no poder, Mugabe, da etnia shona, deu início a uma ditadura de partido único, realizou perseguição aos seus opositores políticos do ZAPU (União do Povo Africano do Zimbábue), um partido e movimento guerrilheiro, e aos seus opositores étnicos, do grupo dos ndebles. As eleições foram mantidas, Mugabe as vencia constantemente, porém, observadores internacionais, ligados à ONU, confirmaram denúncias de fraudes nos pleitos. A corrupção foi outro grave problema: “Mugabe tem um patrimônio de cerca de 1 bilhão de libras, entre contas secretas na Suíça, Ilhas Anglo-Normandas e Bahamas; castelos na Escócia; propriedades em Sandton e Joanesburgo; e imóveis na Malásia.