Quem fere, ferido está

Clarice Roballo
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No momento da notícia não entendi, não parecia ser possível, parece aquele tipo de coisa que nunca acontece com a gente. É… mas aconteceu. A mão ficou trêmula, a voz embargada, e a sensação era o não saber o que fazer. Aquele típico sentimento “quero a minha mãe”. Mas agora a adulta sou eu. Aproximo-me, entendo a violência ocorrida, entendo um desespero, entendo outra pessoa perdida pelo outro lado da ação, mesmo que ela não estivesse mais ali presente.
Puxo o celular, busco uma voz amiga, um afago, busco ele. Recebo o conforto e a ênfase do que devia ser feito, acalmo o coração, reorganizo os pensamentos e alinho as ações práticas, sigo para o destino acertado.

No caminho o silêncio, em meio ao turbilhão de pensamentos, as perguntas de praxe: “Se eu não tivesse deixado a bolsa à mostra”. “Se eu tivesse tomado mais cuidado”. “Se eu tivesse feito isso, ou aquilo, e se… e se…”. Então com um peso tremendo a pergunta que paralisou as frases ecoantes em meio às ruas silenciosas do meio-dia. E quem fez isso, por que o fez? Que anseios o fizeram ter uma atitude desesperadora, ou ainda injusta a mim e justa a ele, ou ela?

Nas últimas manhãs, enquanto cumpro a rotina do acordar, tenho ouvido algumas palestras ministradas por Augusto Cury. Em sua fala ele insistentemente nos diz: “Atrás da pessoa que fere, existe um ser ferido”, agora eu entendi.

Quais feridas carrega, aquele que me feriu sem mesmo saber quem sou? Peguei-me tentando entender. Seria um dependente químico? Talvez. Mas com toda certeza um ser que carrega suas histórias, suas tristezas, sua fraqueza humana. Assim como eu. Naquele momento, para ele, talvez fosse a única opção. E que triste perceber que ele, ou ela não é a única pessoa que chega ao ponto de não ter nada a perder, que chega ao ponto de estar sempre pronto a ferir. Senti pena, senti-me culpada.

Percebo então a realidade, voltei a mim. Estamos em uma sociedade doente, a estamos construindo assim. Temi por minha filha, temi pelo seu futuro. Vemos aos montes, vemos multiplicar-se pessoas e situações como as que vivi. E o porquê é muito maior, é muito além. Você, eu e quem está do seu lado também é contribuinte para isso, quando não nos importamos com a política, com o nosso próximo, com as pequenas atitudes, quando nos fechamos em nosso narcisismo e apenas nos esquecemos de olhar para o lado.

Meu problema será fácil de resolver. Um B.O., segunda via de alguns documentos, um gasto inesperado e está tudo certo, porque o que mais contou foram as palavras e o afago daqueles que estavam ao meu lado e me abraçaram, mesmo que por ligações ou mensagem. Fizeram-me sentir segura. Mas e o agressor? Até quando também será agredido? E nós, até quando vamos contribuir com as agressões, com o nosso silêncio ou o nosso tanto faz?

Findo este artigo agradecendo pelo o que aconteceu, agradecendo cada palavra de afago, cada cuidado, cada abraço. Que dia feliz, que dia incrível, que dia de descobertas. Que alegria em perceber a riqueza que tenho, que alegria me sentir amada e cuidada. Que aquele que viu-se sem saída possa sentir-se assim também, que ele esteja bem, que ele possa ter o mesmo cuidado e afago que tive, que suas feridas cicatrizem. Que ele perdoe meu silêncio e que eu, ele e você tenhamos forças e coragem para mudar essa realidade. Comecemos pelos pequenos gestos, comecemos agora.