“Quando será que a vida vai ser boa?
Quanto tempo perdido esperando à toa
Quando eu pagar as contas
Ou aquele trabalho enfim rolar
Será que vai melhorar?”
(Michel Teló)
As reflexões sobre “o tempo” têm despertado ultimamente o interesse de vários atores e a medida que chega o final do ano isso costuma se acentuar. Mas embora nos pareça que o tempo está passando cada vez mais rápido, essa preocupação com o tempo não é recente para o homem; remonta à filosofia antiga, dos hebreus aos gregos, passando pela filosofia cristã, pela filosofia moderna até os dias atuais. O que nos faz concluir que, além das especulações do senso comum, a teoria científica do tempo e a teoria filosófica do tempo têm sido objeto de reflexões por muitos cientistas e filósofos.
No entanto, o que mais tem se manifestado como campo de interesse atualmente, por amplos setores, é o modo como o tempo está sendo vivido no atual momento histórico, afinal o conceito de tempo tem mudado consideravelmente.
Ao mesmo tempo que os smartphones nos “ajudam” alertando quanto tempo utilizamos semanalmente em nossos dispositivos móveis e redes sociais e que somos convencidos que a tecnologia está a nosso serviço, a sociedade está esquecendo de sua necessidade de momentos de reflexão e participação e, segue vivendo sob o jugo de um sistema onde tudo e todos são transformados em mercadoria.
Acumulamos empregos, corremos contra o relógio, mantemos a agenda cheia, comemos a qualquer hora (ou a hora que der), qualquer coisa (ou o que estiver mais acessível ou mais nos seduzir) e em qualquer lugar (ou no lugar que mais nos atrai ou mais atrai nossos filhos pelas cores, associações, moda…); e acreditamos que deve ser assim.
Aliás, alguma coisa parece estar errada quando não é assim.
Conforme já escrevi aqui, somos impelidos constantemente a nos reinventar e sentimo-nos alienados, perdendo espaço no mercado de trabalho, menos importantes, ultrapassados, obsoletos ou deixados de lado se essa não for uma regra.
Kundtz (1999), chama isso de “engate”. Segundo ele, se colocarmos dois relógios de pêndulo fora de sincronia, um do lado do outro, em pouco tempo eles entrarão em sincronia perfeita. O mesmo acontece com os seres humanos, “pegamos os ritmos uns dos outros e os ritmos acumulados do mundo à nossa volta”. E, só assim nos sentimos em sincronia.
E, para amenizar nossa “culpa” criamos ou nos utilizamos de conceitos: tempo de qualidade, ócio criativo, timing de mercado… tudo porque tempo, tempo mesmo, em horas livres, livres de tudo (inclusive das redes sociais, da maratonagem em plataformas de streming, dos jogos online, etc…) praticamente não temos ou não nos permitimos ter.
Tudo que nos é caro e saudável – família, filhos, amigos, compromissos sociais, a saudade, o reencontro, o olho no olho… – vai ficando em segundo plano. E vamos deixando nossos prazeres e desejos para “quando”: quando eu ganhar mais, quando eu emagrecer, quando o filho crescer, quando o clima estiver “bom”, quando eu me formar, quando eu estiver melhor, quando, quando, quando…
E vejam bem, não estou refutando o planejamento! Adoro planejar e recomendo! Estou apenas refletindo sobre a fragilidade da vida e do tempo.
Afinal, além de perdermos a beleza do caminho, é altamente perigoso estarmos permanentemente ocupados; pois, sobrecarregados não temos como pensar, refletir e criar subsídios consistentes para questionar, criticar, refutar, inovar, nos unir e viver no seu sentido mais pleno.
Por isso, devemos reservar um pouco de nosso “precioso e tão disputado tempo” para refletir sobre uma avalanche que está nos soterrando e sobre o “processo de coisificação que estamos sofrendo”. Pois no fim das constas, como nos diz a música de Michel Teló:
“A felicidade está no caminho
Aproveite todos os momentos que você tem
Ainda mais se tiver alegrias pra compartilhar com alguém
O tempo não espera ninguém”
*Consultora em atividades relacionadas a Inovação e Empreendedorismo, possui Doutorado em Educação Cientifica e Tecnológica, Mestrado em Educação, Graduação em Serviço Social e Graduação em Pedagogia. Estuda as implicações sociais da Ciência e da Tecnologia, no intuito de debater sob uma perspectiva crítica, a equação civilizatória contemporânea e fomentar uma postura reflexiva na sociedade.