Os gregos, através dos mitos, conseguiram descrever aquilo que é o ser humano no mais profundo de sua natureza. Prova deste intento é a atualidade dos mitos, que nunca perderam a sua perspicácia em “desnudar” o ser humano. Partilho facetas de gerações a partir de três personagens míticos gregos: Prometeu, Sísifo e Narciso. Ao leitor mais avisado, peço desculpas pela simplificação dos mitos.
Prometeu e seu irmão Epimeteu foram encarregados de criar os animais e o ser humano, dando a este último superioridade sobre os demais. Mas, ao final do trabalho, Prometeu percebeu que não havia sobrado nada para o ser humano e que o fizesse superior. Amigo das criaturas humanas, este roubou o fogo dos deuses e deu-o aos homens. O fogo, todavia, era exclusivo dos deuses. Como castigo a Prometeu, Zeus ordenou que o acorrentasse no Cáucaso, onde todos os dias um corvo dilaceraria seu fígado.
Prometeu é ícone daqueles que viveram sua juventude nas décadas de 60 e 70. Época da contestação dos valores, da Revolução Sexual, do “é proibido proibir”. Época daqueles que embalaram seus sonhos com as músicas do Festival de Woodstock e projetaram suas vidas com a ideologia da contracultura dos hippies: paz e amor. A lógica é: tudo é permitido. Leis, normas e valores existem para serem quebrados. Assim como Prometeu, são inconsequentes. Usam mal a liberdade.
Sísifo, considerado o mais astuto dos mortais, enganou a morte duas vezes. Por fim, tornou-se cativo de Hades, soberano do mundo do mortos. Lá, foi condenado eternamente a rolar uma pedra até o cume do morro com suas mãos. Porém, antes de lá chegar, a pedra rolava novamente montanha abaixo.
Sísifo tornou-se conhecido por executar um trabalho rotineiro e cansativo. Tratava-se de um castigo para lhe mostrar que os mortais não têm a liberdade dos deuses. Os mortais têm a liberdade de escolha, devendo, pois, concentrar-se nos afazeres da vida cotidiana, vivendo-a em sua plenitude, tornando-se criativos na repetição e na monotonia.
Ele é o ícone da geração que busca o progresso e uma melhor qualidade de vida, a todo custo, tendo a própria existência como um simples processo de combustão e oxidação. Representa tantos que se perderam ou ainda se perdem no marasmo do neoliberalismo, do egocentrismo; aqueles que almejam o American way of life e acreditam no American dream. Sob sua égide, estão tantos jovens que lutam eternamente com o vestibular por um lugar ao sol.
Narciso (foto), um jovem caçador que, após desprezar a beleza e o amor das Ninfas, depara-se com sua própria imagem numa fonte cristalina. Fascinado consigo mesmo, passa a admirar a própria beleza no reflexo d’água. Tamanha fascinação por si fez com que morresse afogado na pequena fonte.
Parafraseando Paulo Coelho, Narciso olha para o lago e pergunta se ele o achava lindo. O lago responde: – Narciso, não o vejo; apenas me vejo em sua própria lágrima. De Narciso todos nós temos um pouco e, no lago, sempre buscamos o reflexo de nós mesmos.
A cultura atual, este grande lago que nos fascina, não é capaz de nos perceber como sujeitos, pois rouba-nos na expressão de subjetividade e ingenuidade da existência. Definitivamente, vivemos nos tempos de Narciso; voltados para nós como princípio de indentidade, mas, incapazes de nos tomar e perceber no grande engodo das manifestações culturais da hipermodernidade. Disto, nem Prometeu e Sísifo estão ilesos. E você, está?