Interferência na sala de aula: autonomia docente em xeque?

FOTO Freepik Notisul

A recente sanção da lei pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que proíbe o uso de celulares em sala de aula, levanta uma questão que vai muito além da mera regulamentação de aparelhos eletrônicos: até que ponto o Congresso, o Executivo e o Judiciário interferem na autonomia didática do professor? E mais: será que essa proibição generalista pode limitar o uso de modernas tecnologias que, quando bem aplicadas, potencializam a experiência pedagógica?

É inegável que o uso indiscriminado de celulares em sala de aula pode ser prejudicial ao aprendizado, desviando a atenção dos estudantes e comprometendo a dinâmica do ensino. No entanto, impor uma proibição irrestrita é um passo arriscado. Cada sala de aula tem uma realidade própria, e cabe ao professor avaliar o melhor uso das ferramentas disponíveis, incluindo os smartphones, que podem ser transformados em aliados didáticos, ao invés de vilões.

Hoje, existem aplicativos que facilitam o ensino de matemática, línguas, ciências e outras disciplinas, permitindo a interação e o engajamento de alunos que crescem em um mundo digital. Ferramentas de realidade aumentada, por exemplo, transformam conceitos abstratos em experiências visuais interativas. Ignorar essas possibilidades em nome de uma regra rígida parece não apenas um retrocesso, mas também um descompasso com os desafios contemporâneos da educação.

Mais preocupante ainda é o precedente de ingerência que essa lei representa. A sala de aula é um espaço que deve ser conduzido por profissionais habilitados – os professores – e não pelo Congresso ou pelo Planalto. Legislações desse tipo ignoram a complexidade da prática pedagógica e reforçam a desconfiança em relação à autonomia docente. Como esperar que os professores inovem, motivem e eduquem se lhes são retiradas as ferramentas e a liberdade para decidir como fazê-lo?

A interferência do governo e de outros poderes na educação não é novidade. Por anos, vemos disputas ideológicas e interesses políticos moldando currículos, restringindo debates e impondo normas que pouco dialogam com a realidade do chão da escola. A questão do celular é apenas mais um capítulo desse enredo preocupante. Qual será o próximo passo? A limitação de outras tecnologias, como tablets, notebooks ou plataformas virtuais de ensino?

O combate ao mau uso de celulares não deve ser feito com a eliminação pura e simples do aparelho, mas com educação digital. Ensinar alunos a usar essas ferramentas de forma responsável e produtiva é uma lição que vai muito além da sala de aula – é prepará-los para o mundo real, onde a tecnologia é onipresente.

A sala de aula deve ser um espaço de liberdade criativa, e os professores juntamente com os estudantes, protagonistas dessa narrativa, merecem confiança e respeito. O caminho para a educação de qualidade não está em leis que engessam, mas em políticas que apoiem o desenvolvimento profissional, a formação continuada e o acesso a recursos que transformem o ensino.

Em vez de proibir, que tal capacitar? Em vez de limitar, que tal apoiar? A verdadeira revolução na educação virá quando colocarmos os professores e os estudantes no centro das decisões, devolvendo-lhes a autonomia que jamais deveria ter sido questionada.