HOMOAFETIVIDADE, MORAL, DIREITO: VOTO DO RELATOR

Tenho por desnecessário dizer o que penso quando encontro minhas concepções manifestadas de jeito que eu não faria melhor. É o caso. Relator na Apelação Cível nº 0038735-68.2015.8.24.0023, Hélio David Vieira Figueira dos Santos, do TJSC, a contragosto do Ministério Público, emite voto que se consubstancia em preleção moral sobre homoafetividade.

Sou um militante de ideias. Hoje, milito com palavras emprestadas desse Magistrado exemplar. Com a assunção da responsabilidade de edições, para adaptação do texto a este espaço, cuidando do conteúdo, trago o voto do DESEMBARGADOR:

“Como reconhece o apelante (MP), o STJ reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo.  Aliás, pode-se falar em união homossexual. Os seres humanos são livres e não escolhem a sua sexualidade. Apenas o obscurantismo justifica a ideia de que a homossexualidade seja um desvio de conduta. A atração mútua entre pessoas do mesmo sexo é algo tão natural e antigo quanto a existência da espécie e, ao que parece, também entre outras espécies.

    E o que vem a ser exatamente o casamento, senão um simples contrato laico (art. 1.511, do CCB) fundado na autonomia da vontade, entre pessoas maiores e capazes? Vamos deixar as ressalvas no campo religioso, solução que o art. 1.515, e seguintes, do mesmo Código, remete ao encargo de cada credo.

    Argumenta-se que o binômio é homem/mulher. Mas o que se dizer das mudanças de sexo autorizadas judicialmente e averbadas na certidão de nascimento do nubente? Ou da alteração de gênero no registro civil sem mudança de sexo por transgênero, como decidiu o STF? Ela é mais radical do que a própria transexualidade, na qual a pessoa sente tamanha dissociação de sua condição biológica que precisa mudar de sexo.

Sempre defenderei o direito de as pessoas fazerem o que quiserem de suas vidas em busca da felicidade, ressalvados prejuízos a terceiros. Se o casamento homossexual incomoda alguns, isso é como uma temporada chuvosa que se espera passar. É assunto que só diz respeito ao incomodado. Se o preconceito contra pernas tortas fosse sancionado, Garrincha não teria existido, mas ele foi “a alegria do povo”. Se houvesse regras inflexíveis na Gramática, José Saramago não teria ganho o Prêmio Nobel de Literatura.

    Quando promulgada a atual Constituição, não havia a “Parada Gay”, que hoje reúne multidões na Avenida Paulista; não havia o aglomerado jurídico LGBTs, assim como não se imaginava que alguém se intitularia “auto-sexual”. Não havia a Lei Maria da Penha, o crime de injúria racial, a Lei de Cotas raciais, a decisão do STF que enquadrou a homofobia como crime com base na Lei do Racismo, ou a que reconheceu o direito a mudança de gênero por simples ato de vontade do declarante. Diante desta realidade aceleradamente dinâmica, limitar o casamento a pessoas de sexo distinto, a mim, parece um anacronismo.

    Desde a edição da Resolução n. 175, do CNJ (que extrapolou formalmente), que obriga os cartórios a registrar os casamentos homoafetivos, em 2013, até 2016, foram assentados mais de 20 mil casamentos (dados em inúmeros sites na internet). O IBGE, que não possui dados atualizados, informa que em 2017 foram registrados 5.883 casamentos entre pessoas do mesmo sexo, enquanto, no mesmo período, houve queda de 2,3% nos casamentos heterossexuais. Isso é um dado impactante de realidade.

    Muito adequado ao tema da chamada “pan-sexualidade” é o artigo do psicólogo forense Paulo César Nascimento (https://bit.ly/2OFcdtq). Ele pinta um espantoso quadro verossímil da multissexualidade e dos desafios que ela provoca. Toda essa multiplicidade de brotações exigirá resposta jurídica. Não há como se esquivar disso.

    Cada época tem seus costumes e sua moralidade. A nossa não admite mais esse tratamento preconceituoso que distingue o casamento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. De minha parte, se um humano quiser casar-se com um animal de cascos, nada tenho a opor, desde que o último consiga assinar o registro de casamento, ou, se for analfabeto, imprimir sua impressão digital. E quem acha que não se pode tirar divertimentos em coisas sérias, deveria ler “O Elogio da Loucura”, de Erasmo de Roterdam. Voto pelo não provimento do recurso com outros votos, de que o casal seja feliz para sempre”.

Textos tais quais estes distinguem duas justiças: a dos leguleios, que, por pobres de espírito e faltos de Ciência Jurídica, empobrecem o Direito; a do jurista sensato, que com saber jurídico, graça, poesia e erudição, faz da Justiça o que a Justiça dos esclarecidos deve ser.