Nada será como antes amanhã?

Listo-me entre os descontentes com o último resultado eleitoral. Talvez, todavia, eu tenha uma vantagem pessoal sobre muito revoltado de mídia social. Sei que estou derrotado; sei que desejo outra mentalidade no Poder. Não estou conformado; reconheço dado da vida política.

Sei a direção que tomarei; não sei o que encontrarei no que advirá. De toda sorte, se desejamos outros modos políticos, devemos considerar sobre nós mesmos e sobre nossa relação com a Sociedade.

Primeiro, um aspecto primitivo que nos compõe: conferindo Partidarismo e o cérebro, de Suzana Herculano-Houzel (FSP, 26abr16), veremos que somos a favor ou contra determinadas orientações partidárias apenas porque estamos com certo “alinhamento” estabelecido no cérebro.

“Institivamente” defendemos nossa turma por senso de pertencimento, e atacamos os adversários, inclusive quando corretos, por estranhamento. Não contrariamos outra ideia, mas outro bando.

Depois, somos movidos por formatações ideológicas. Modos de pensar o mundo constituem nossa subjetividade. Pensamentos semelhantes têm maior chance de aproximação recíproca, formando estratégias de sobrevivência.

E estamos em rede. As iras políticas nossas de cada dia são “compartilhadas’’. Há uma armadilha embutida nisso. Por exemplo, o Facebook: ele é programado para não confrontar, mas para agradar. Então, perfila o utente e lhe devolve o seu próprio gosto, formando uma “bolha” de iguais.

Por “instinto”, ideologia ou implicação de rede social, o coxinha “sensato”, praguejado de fascista, ou o mortadela “esclarecido”, insultado de esquerdopata, está apenas ajuntado com os seus semelhantes e repetindo os lugares comuns de suas fórmulas interpretativas da vida.

Às vezes, as vociferações moralistas são simples desonestidade intelectual: esquerdopatas acusam Temer de compor seu ministério com 7 “investigados”; fascistas lembram que 19 compunham o governo Dilma. Uns e outros reduzem moral pública a aritmética criminal.

Será que os brasileiros podemos dar conta de nós? Podemos dar conta e rumo a essas circunstâncias difíceis e raivosas pelas quais estamos passando, apesar de estarmos inseridos nelas?

Desconfio dos que se reduzem às suas convicções. Então, ponho-me a questão de outra forma: dado que a complexidade das relações de poder não será capturada por essa contenda chinfrim, quem terá autoridade legítima para fazer andar o Brasil?

A prática política, com qualquer qualidade ou por qualquer meio, há de funcionar suportada por persuasão. Se não persuado o outro, não obtenho autorização. E se o engano, os fatos futuros me denunciam.

Nos últimos tempos houve muitas mentiras, muitos gritos de “fora…”, muita agressão. Não funcionou, não funcionará. O Brasil foi e continuará sendo um reflexo dos brasileiros. Nem mais, nem menos.

A vida pública brasileira está, por ação ou omissão, como a fizemos estar. Estará melhor se for melhorada pelos dispostos a se legitimar para tanto além das margens do bando, da ideologia compartilhada, das afinidades logarítmicas. Ou tudo será como antes amanhã.