Sobre o tempo do amor

Lamenta-se a falta de amor. O mundo não estaria bem porque amaríamos de menos e de menos seríamos amados. Isso me soa contraditório: declaramos amor a tudo e amamos de todas as formas. Dizemos amar os pais, os filhos, os vizinhos, os índios, os mendigos, os bichos, o ursinho de pelúcia.

Amamos, na televisão, o artista da novela; no filme, o herói; no computador, os vídeos da internet, ou alguém em um teclado distante. Quando amamos de demasiado longe, amamos a própria imaginação. Restamos nos expondo sem pudor nem senso de ridículo em sites de relacionamento.

Ao cabo de tantas falas, parece que todo mundo se ama e ama todo mundo por muitas maneiras. Ou então deturpamos a palavra amor. Demos de usá-la para significar gosto ou interesse por qualquer coisa: o trabalho, a roupa, o veículo, o gato, o sorvete, o cachorro, até o cachorro-quente.

Creio que há declaração de amor em excesso no mundo. Mas esse amor declaratório é amor de outro tipo: é vazio, falado sem nada que venha de dentro; um uso vulgarizado da palavra; palavra sem emoção. Essa exuberância amorosa piegas é advento de emotividade popular barata.

Estou pensando no amor emocionado, na atração irresistível entre um casal que se conhece, se envolve e se deseja. Tenho gosto por forma e conteúdo da paixão avassaladora que nasce, vive e morre. Nunca me sai uma dúvida sobre como sobrevive um caso de amor que já morreu.

Há explicações de que um par se atrai pelo cheiro, por componentes bioquímicos, pelo fenótipo, por resistências a bactérias, por interesse, por relações de dominação, por busca de provimento, por sapiossexualidade, por associação com pai ou mãe. Talvez se ame por tudo isso e algo mais.

Eu sei que a paixão começa sem qualquer comedimento, com muitas promessas, com todas as ofertas, com uma busca ávida e insaciável do outro. Há um gozo sôfrego, inesgotável, mas que se enternece com um toque, uma palavra, um gesto. Um vendaval, ou uma brisa, é igual.

Os amantes querem tudo e contentam-se com pouco. São ciumentos, são generosos. Pedem demais e dão-se demasiado. Os amantes são caprichosos e egoístas, mas, contrariando-se, dão-se um valor tal como se cada qual valesse por tão só existir. A fase do “só vou se você for”.

Depois, como pode!?, a relação se constitui em suspeita recíproca entre as partes: uma tenta se apropriar da outra. Estabelecem-se limites sempre desrespeitados, os enamorados tornam intrusivos; eram cúmplices, agora são fiscais. Um pode-tudo se converte em um sistema de proibições.

Passa o tempo, vêm descuidos. Há mentiras, talvez traições. O amor fica sem viço. Vai-se o devaneado juntos, fica a rotina. O gozo da presença vira obrigação. A gentileza está dever doméstico. Os que se buscavam já só se aturam. Um silêncio carregado de sentidos ruins toma conta da relação.

Conversão dos sentimentos: prazeres em afazeres constrangidos; brincadeiras em rabugice. O tesão irrefreável, quando muito, sobra como carinho fraternal. O sexo afoito acaba em débito conjugal. O casal já nem briga; só resta um cansaço. Depereceu, sem mais, a fascinação.

Estranhamento: se o casal sobrevive, uma parte vai morrendo aos poucos e vê a outra morrer igual. É momento de se ir; as partes não se vão. O casal já não se afeta. Cada qual se deve uma última emoção: a de partir. Se a chama de um amor não se recobra ao sopro da vida, a hora desse amor se foi.