Pedofilia, religiosos, escândalos por fuga de controle

Por razões, ou por falta de razões, a maior parte da humanidade decidiu levar para fora dos olhares gerais as suas práticas sexuais. Sexo, mesmo o consentido, não obstante sabidamente feito, é feito em condições sigiladas.

Imagina sexo proibido, o do tipo transgressivo dos bons costumes, ou, muito mais, o de espécie criminosa, como a pedofilia. A pedofilia é a prática sexual mais interditada, seja pelos costumes, seja pelas leis, seja pela repressão policial. No Brasil, não existe o tipo penal pedofilia. Pedofilia, aliás, é o nome do transtorno psicopatológico que leva o adulto a sentir atração sexual por criança. O pedófilo é punido se externar sua vontade, consubstanciando-a em ato. Seja, não é com esse nome que sexo com criança é tipificado no Código Penal. O Estatuto Repressor traz em seu Capítulo II os Crimes Sexuais Contra Vulneráveis, e, mais especificamente, Estupro de Vulnerável.

Artigo 217-A do Código Penal: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”. Pena – Reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. Trata-se de estupro presumido, independe da vontade da criança. Ainda, amoldando-se a pedófilos, há os artigos 240 e seguintes do ECA, que apenam crimes que envolvem crianças, sobretudo em suas imagens. Aí estão elencados os crimes que, em sua maioria, são praticados por meio de internet. A questão moral não é o vício de vontade da criança, só, mas a ciência por parte do adulto da vulnerabilidade da criança, que tem sua vontade (ou falta dela) facilmente manipulada, e a exploração indevida dessa ciência. Crianças são educadas (educadas?) a obedecer pais, parentes adultos, professores, religiosos e “mais velhos”. Bem, pais, parentes, professores e religiosos são exatamente a “fonte primária” de pedófilos, ou estupradores. Tudo isso se agrava em ambientes institucionais hierárquicos: famílias, redutos esportivos, seminários, internatos, quartéis, educandários. Sistemas ideológicos de ordem e obediência facilitam a manipulação de vontades. Igrejas: “Pedofilia provoca renúncia de todos os bispos do Chile. Religiosos puseram cargos à disposição do papa após a divulgação de estudo que revelou graves negligências em coibir abusos sexuais” (Estadão, 19mai18). A notícia parece auspiciosa para os crentes afiliados à igreja católica, no sentido de o Vaticano estaria tomando providências para curar-se dessa grave chaga que atinge danosamente crianças chilenas e de tantos outros países.

Mas, quem acompanha o desdobramento do assunto sabe, o Vaticano, e mais especificamente o papa dos católicos, está tomando providências porque o controle do silêncio das vítimas foi perdido e a justiça civil está atuando. Segundo o jornalista jesuíta Thomas Reese, em artigo publicado no National Catholic Reporter, a igreja “não possui um processo legal para julgar os bispos que seja transparente e que tenha legitimidade com o público”. Reese afirma que o papa deu apoio incondicional ao bispo Juan Barros, nomeado por ele mesmo, apesar das acusações de que este testemunhou e acobertou abusos cometidos por um padre que o próprio Vaticano condenara.

Francisco defende Barros, “chegando ao ponto de acusar os seus detratores de calúnia e de serem agitadores esquerdistas” (https://bit.ly/2ITNQHl). O papa alega falta de provas, como se pedofilia deixasse rastros fáceis. Ademais, quando o papa foi ao Chile. “Um grupo de vítimas insistiu em se reunir com o pontífice para entregar-lhe provas dos abusos, mas o papa se recusou a recebê-los por acreditar na inocência dos religiosos”. O escândalo ganhou projeção. O Vaticano enviou alguém de confiança ao país, para colher os acontecimentos. Citando o informe de seu enviado, o papa Francisco atribui o caso a disseminação do delito de abuso de menores.
Isso, segundo a interpretação do pontífice, estaria por trás do fato de o Chile vir se transformando, nos últimos tempos, no país mais laico da região, depois do Uruguai, e estaria causando o afastamento de fiéis da Igreja Católica. Esse distanciamento dos fiéis ficou evidente durante a visita de Francisco, quando houve episódios violentos, como a queima de igrejas” (Sylvia Colombo, FSP, 19mai18). Leia-se: pedofilia, queima de igrejas, papa preserva ovelhas. A matéria cita Fernando Ramos, bispo chileno espantado com a quantidade de delitos apontados: “Foi usado de modo inaceitável o poder dos religiosos, que abusaram sexualmente de pessoas que estavam sob nossa proteção”.

Os religiosos chilenos perderam o controle. Não o de si mesmos, pois sabiam o que faziam. Eles perderam o controle dos fiéis. Caro devoto brasileiro: a igreja, o papa, as crianças, os pedófilos… O Chile não poderia se chamar Brasil?