Lula, Judiciário, fanáticos, ladrões, suspeição

Manifestações populares com intenção de interferir no Judiciário. Sou a favor. É um direito do povo. O Judiciário é um poder do Estado, deve saber o que as ruas pensam e levar isso em conta. Mas, bem… com as devidas ponderações.

Sentenças não se devem fundar nas apreciações flutuantes de multidões. Rancores de rua, crendices religiosas, opinião do “povo” (in)formada por auditórios de TV: não haveria Estado de Direito se isso sustentasse posições judiciais.
                             
A mitologia cristã registra o julgamento de Jesus. Pilatos, a expressão do “sistema”, Roma, tentou protegê-lo. O povo o condenou ao Crucifagium, libertando Barrabás, acoimado pelos cristãos de “ladrão”. Pilatos lavou as mãos.

Essa é a história dos vencedores, é o jeito de contar as coisas que interessa e interessou aos donos do “sistema”. Por milênio e meio o poder do cristianismo deu fim físico a quem a interpretasse ou descrevesse de outro modo.

Hoje já se pode dizer sem medo que Barrabás era um judeu que lutava contra a dominação romana, fustigando as forças invasoras de sua pátria, e que o povo talvez soubesse muito bem o que fazia votando por sua libertação.

Barrabás foi preso após atacar soldados romanos na cidade de Cafarnaum. Cristo respondeu a processo porque contrariou crenças judaicas, declarando-se ele mesmo filho de divindade. O mais é poder de escrever a História.

Até hoje os cristãos dizem que Barrabás foi a escolha errada. Agora, os norte-americanos escolheram Donald Trump. O “sistema mancomunado” defendia Hilary Clinton. Quem se considera lúcido insiste que Trump foi má escolha.

E Lula com isso? Nada, a não ser o fato de que o petista é o cidadão mais apontado em pesquisas de opinião pública como desejado para presidir o País, e ele será brevemente julgado em grau de recurso pelo TRF-4.

Ah!, existe também o fato de que se pretende “invadir Porto Alegre para pressionar o Judiciário” a não confirmar a sentença de primeiro grau que condenou Lula, do que decorrerá a condição jurídica de sua candidatura à Presidência.

Lula é o político mais apreciado pelos eleitores, quase um terço. Ao mesmo tempo é o mais recusado de todos os possíveis candidatos, quase metade dos votantes. É um caso de amor e ódio sob apreciação de três desembargadores.

Ainda bem. Nas relações de amor e ódio que afetam o Brasil, se Lula fosse julgado em praça pública, como sectários de sua grei pretendem, talvez o resultado afluísse a um Trump (ou Bolsonaro) ou Barrabás (que nunca foi ladrão).

O ideal é que tudo transcorresse nas normais formalidades do Estado Democrático de Direito. Contudo, avaliando as circunstâncias, o prefeito da capital gaúcha pede o Exército (força de guerra) para dar conta da ordem pública.

A Frente Brasil Popular (havida por “de esquerda”) arvora-se internúncio popular. O Movimento Brasil Livre (declarado “de direita”) há-se por arauto do povo. A apreensão do Exército é o choque entre as organizações divergentes.

A FBL arranja um “congresso do povo”, o MBL espera “mais engajamento”. Vale perquirir sobre a legitimidade (autoconferida) de uma e de outra parte. Ambas apelam à Constituição. A Carta atribui a tarefa de julgar ao Judiciário.

Confio no Judiciário tanto quanto confio em qualquer instituição brasileira. Há-se de suspeitar, metodicamente, dos membros das instituições, não do institucional. Mas, aí, para acusar alguém, só se houver suspeita concreta.

Como os altos tribunais têm descontentado a todos os portadores das bandeiras “correligionárias” dos destinos do Brasil, nisso estou tranquilo, o julgamento será técnico e o fundamento do acórdão será expresso, como manda a lei.

Sim, claro, não creio em neutralidade ideológica de ninguém, nem na minha, muito menos na de juízes de carreira, em geral com a mentalidade formatada pelo dogmatismo da tradição teórica e prática do Direito.

Mas era “só o que faltava” transferir fé jurídica para grupos fanáticos organizados em torno de fascistas de direita ou de ladrões sedizentes de esquerda. O voto declarado técnico do juiz é mais civilizado do que o grito da “nossa” rua.

Agora, especialmente aos petistas, cabe certa deferência ao Direito. Se, “Cristo me acuda”, não erro nas contas, há três presidentes, cinco secretários, e três tesoureiros do PT presos. É muita gente e muito dinheiro para alegar suspeição.