Suzano: ‘Tenho medo de sair na rua’, diz avô de um dos atiradores

O senhor fumando e olhando a rua pelo portão entreaberto carrega uma tristeza no semblante. Benedito Luiz Cardoso, de 57 anos, é o homem que criou um dos atiradores do Colégio Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP). Seu neto, Guilherme Taucci Medeiros, 17, abriu fogo contra ex-colegas na última quarta-feira (13/3). Ao todo, a tragédia deixou 10 mortos, incluindo os dois atiradores, e duas dezenas de feridos.

Benedito olha a equipe de reportagem com desconfiança. Numa primeira aproximação, ele se esquiva, diz que não quer dar mais declarações. Depois, no entanto, volta atrás. O avô, que criou Guilherme com renda mensal de um salário mínimo, diz que esta será a última entrevista para, enfim, tentar esquecer a história e refazer a vida. Muito abatido, o aposentado começa a falar.

Assim como o país inteiro, ele busca explicações para o que motivou o massacre sangrento. Benedito é categórico ao falar sobre a vida do neto na escola: o menino sofreu bullying na Raul Brasil. “Ele estudou até o segundo ano do ensino médio, no ano passado. Depois, desistiu de ir à escola. Ele reclamava que as pessoas zombavam das espinhas no rosto e nas costas dele. Elas davam apelidos maldosos. Eu cheguei a pagar tratamento pra ele”, conta o avô.

Amoroso, obediente, apaixonado por games, educado, cuidadoso com as irmãs – uma menina de 9 anos e outra, de 7 – calado e tímido. A lista de adjetivos usada pelo avô para descrever o neto destoa da brutalidade demonstrada por ele e seu comparsa no massacre da escola Raul Brasil.

“Eu não entendo o que aconteceu. Não tem explicação. É muito difícil aceitar e continuar vivendo. Quando a polícia esteve aqui e mostrou a foto dele como um dos envolvidos, meu mundo desabou”, conta.

Nervoso, naquele dia, Benedito esmurrou o muro. O dedo indicador da mão esquerda até hoje está ferido e inchado.

“Princesa” 

Neste domingo (17/3) Suzano amanheceu mais quente que nos últimos dias. Benedito convida a equipe do Metrópoles para se abrigar do sol dentro da casa que o assassino cresceu. Em um amplo quintal, onde moram três famílias, ele apresenta “Princesa”, a cadela de estimação de Guilherme.

“Até ela está sentindo falta. Quando ele entrava em casa, acariciava ela, que seguia para o seu canto. Agora fica ali”, diz, apontando para o canil onde o animal está deitado.

Em quatro meses, a vida de Benedito sofreu um grande revés. Sua companheira morreu, vítima de uma pneumonia – eles eram casados havia 36 anos. Arlete Taucci, 76, era muito próxima a Guilherme. “Depois da morte dela, ele ficou mais triste. Mas nada que chamasse atenção, é normal para quem perde alguém que ama”, conta.

Benedito desmente acusações de que o neto fosse usuário de drogas e álcool. “Ele nunca se envolveu com isso. Na verdade, detestava. Como a mãe tinha dependência química, ele queria se manter o mais distante possível de qualquer tipo de vício”, afirma. Em função dos problemas da mãe, Guilherme foi criado distante dos pais.

Dia antes do massacre 

O avô do atirador conta que a terça-feira (12), um dia antes do ataque, foi normal. “Estava chovendo e eu pedi para que ele buscasse as irmãs no colégio. Como sempre, ele me obedeceu. Apanhou as meninas, passou no supermercado, onde comprou um pudim, chegou em casa e me pediu para esquentar o jantar. Não houve brigas, desentendimentos ou qualquer motivo para revolta. Não entendo o que aconteceu”, diz.

O quarto do menino ainda está desarrumado pela devassa que a polícia, em busca de provas e indícios da motivação do crime, fez. Benedito conta que não entrou no ambiente desde então. “Desde quando essa desgraça aconteceu, eu não como, não durmo, não tenho paz, não tenho força e só fumo”, detalha, mostrando a carteira de cigarros quase vazia.

As irmãs de Guilherme estão refugiadas na casa de uma parente, que ele não revela o nome. Benedito não pretende deixar Suzano, mas está com medo de possíveis represálias. Isso o motiva a não mostrar o rosto e pedir para que a reportagem não tire fotos.

“Só nesta casa eu vivo há 30 anos. Estou com medo de sair na rua. Não sei o que as pessoas estão pensando. Ontem [sábado], tive que chamar a polícia. Um carro estava rondando a casa”, revela.

Com os olhos marejados, o senhor esfrega as mãos no rosto, respira fundo e diz ainda não saber como prosseguir na vida. “Em quatro meses, eu perdi grande parte da minha família. Gente da minha convivência diária. Guilherme estava comigo todos os dias desde que nasceu”, lembra. O menino completaria 18 anos em poucos meses. Segundo Benedito, ele havia pedido emprego ao pai de Luiz Henrique, seu comparsa no tiroteio.

Na última sexta-feira (15), o avô conversou com os pais de Luiz Henrique. A família, que é vizinha na mesma rua, não está mais no local. “Até me assustei quando eles bateram aqui na porta. Pensei que estavam com raiva de mim. Conversamos sobre o que aconteceu. Eles também estão abatidos, disseram que somos vítimas duas vezes, por termos perdido os meninos e por eles terem causado a morte de tanta gente”, lamenta. “Luiz frequentava minha casa e o Guilherme, a deles. Os meninos estavam sempre juntos”, recorda.

O idoso está sendo acompanhado por uma psicóloga. Ainda assim, é difícil superar o luto. “Ela disse pra eu não me culpar, mas é difícil. Pensando no que faltou, onde errei. Tudo que eu não tive eu dei a ele. Comprei celular, tablet, computador, roupas e dei, sobretudo, amor”, relata.

Com pesar na fala, ele deixa um pedido de desculpas às famílias das vítimas. “Eu não tenho o que dizer a não ser que me perdoem. Perdoem o meu neto. Perdoem a minha família”, diz. Evangélico, ele busca força na fé. “Só Deus pra me dar suporte. Você não sabe como foi triste enterrar meu neto. Foi um velório vazio, com menos de 10 pessoas. Não era para ser assim”, finaliza.

Lembranças de bons meninos

A consternação na vizinhança é evidente. Cabeças baixas, janelas fechadas, poucas palavras e quase nenhuma movimentação. O ataque mudou a rotina. O gestor de recursos humanos Mauro Gomes, de 63 anos, mora a 30 metros do endereço onde Guilherme morou. “Não tem como a gente não se abalar, não pensar, não se assustar. É uma tragédia inédita e que envolve duas pessoas que a gente conhece de perto“, comenta.

Mauro, que lavava a calçada de sua residência enquanto conversava, fecha a mangueira e começa falar dos atiradores. “Ninguém nunca imaginaria que isso poderia acontecer. Os meninos eram ótimos. Sempre muito educados, de boa família, de bom comportamento, reservados e carinhosos com seus parentes. Não há nada que desabonasse a conduta deles. Por isso foi um choque, por isso é inexplicável”, desabafa.

Com avaliação semelhante, a dona de casa Karina Morais, de 27 anos, casada com um dos tios de Guilherme, conta que, há quatro meses, passou a dividir o mesmo quintal com o atirador.

“Se alguém me contasse, diria que era mentira. Ele sempre foi muito educado, muito resguardado e muito respeitoso. Tinha muito carinho pelo avô. Não consigo entender o que pode ter motivado um surto desse tipo”, comenta.

Um vizinho, que preferiu não ter o nome publicado, era amigo de Luiz Henrique. “Ele estava sempre por aqui. Conversávamos bastante, mas nunca ouvi ele dizer nada do tipo. Nunca comentou de violência, de agressão ou terrorismo. Isso deixa a gente muito assustado. Nunca percebi que ele tivesse um grande trauma ou ódio. É difícil de acreditar que foram eles”, destaca, ao entrar em casa e fechar o portão.