Pesquisadores ‘perdem’ 17.000 carteiras em centenas de cidades para ver se as pessoas realmente as devolveriam

Muitas pessoas ao redor do mundo estão dispostas a devolver a carteira perdida de um estranho – especialmente se ela estiver cheia de dinheiro, de acordo com um estudo contraintuitivo.

O estudo, publicado na revista Science na quinta-feira (20), foi um experimento social meticuloso que levou três anos e mais de meio milhão de dólares para ser concluído.

Um grupo de 13 assistentes de pesquisa (11 homens e 2 mulheres) foram recrutados para uma viagem ao redor do mundo. Eles viajaram para 355 grandes cidades em 40 países. Em cada cidade, eles visitaram bancos, teatros, hotéis, delegacias de polícia e outros espaços públicos e entregaram uma “carteira perdida”, que eles alegaram ter encontrado na rua, para um funcionário próximo.

As carteiras eram todas transparentes e continham uma lista de compras escrita no idioma principal do país, uma chave e cartões de visita com um nome masculino e endereço de e-mail onde a pessoa que encontrou poderia presumivelmente contatar o dono. Algumas das carteiras também continham um modesto valor em dinheiro: cerca de US$ 13,45 na moeda do país. Em três países especificamente – Reino Unido, Polônia e Estados Unidos – algumas das carteiras tinham um valor em dinheiro maior que US$ 94,15, ou tinham os US$ 13,45, mas nenhuma chave. No total, a equipe “perdeu” 17.000 carteiras.

Calculando a média de todos os países juntos, houve um resultado claro, se contraintuitivo. Menos da metade (40%) das pessoas se deu ao trabalho de entrar em contato com o falso proprietário da carteira quando não havia dinheiro, mas uma pequena maioria (51%) procurou o dono quando viu o dinheiro. E para as carteiras com US$ 94,15 dentro, uma taxa impressionante de 72% das pessoas tentaram devolvê-las.

“Por que as pessoas estão mais propensas a devolver a carteira quando ela contém mais e não menos dinheiro? É natural pensar que é simplesmente porque as pessoas são altruístas e porque se preocupam com o dono da carteira”, disse o autor do estudo Christian Lukas Zünd, economista da Universidade de Zurique, na Suíça, em uma coletiva de imprensa discutindo as descobertas desta semana. “Nossos resultados sugerem que é uma combinação de altruísmo e o que chamamos de aversão ao roubo, ou seja, aversão a se sentir como um ladrão”.

Reforçando sua teoria, a equipe descobriu que carteiras sem chave, mas contendo dinheiro, eram relatadas com menos frequência do que carteiras com dinheiro e chave. A chave – provavelmente mais significativa para o dono – pode ter motivado mais pessoas a agir mais altruisticamente. Os pesquisadores também realizaram outro experimento e pediram a um grupo de voluntários que imaginasse como reagiriam se ficassem com uma carteira perdida. No geral, os voluntários disseram que sentiriam mais como se estivessem roubando se as carteiras tivessem dinheiro, e quanto mais dinheiro a carteira continha, mais as pessoas se sentiriam como ladrões por mantê-la.

A equipe também tentou descartar o maior número de explicações possíveis. A lista de fatores que aparentemente não influenciaram a disposição das pessoas em devolver a carteira incluiu a presença de uma câmera de segurança ou outros espectadores onde a carteira foi devolvida; se as leis do país puniam as pessoas por manterem propriedade perdida; a idade do indivíduo que pegou a carteira perdida e se eram provavelmente residentes locais; e a identidade do assistente de pesquisa que entregou a carteira.

Houve, no entanto, diferenças entre os próprios países. A maioria das pessoas que vivem na Suíça, Noruega e Holanda relatou a carteira perdida, independentemente de ter dinheiro ou não. Por outro lado, uma minoria de pessoas na China, Malásia e Peru retornou as carteiras em qualquer condição, embora a taxa de retorno tenha aumentado quando o dinheiro estava envolvido. O México e o Peru foram os únicos dois países onde as pessoas eram menos propensas a devolver uma carteira com dinheiro do que a que não possuía. Os autores não têm nenhum senso claro de por que esses países podem ser diferentes.

Os EUA, enquanto isso, se mostraram medianos em sua generosidade, ficando em 21º lugar em honestidade no geral. Mais uma vez, para as carteiras com quase cem dólares, a taxa de retorno entre os americanos aumentou substancialmente.

Quanto ao motivo pelo qual essas diferenças existem, os autores especulam que nossa ânsia de devolver uma carteira perdida poderia muito bem refletir a cultura local em torno da moralidade e responsabilidade cívica para com os outros.

Países com uma forte rede de segurança social, menos desigualdade econômica e alta participação na política, como os países nórdicos, poderiam incentivar um foco maior na necessidade de ajudar qualquer pessoa, seja ela estranha ou não. Outros países podem, em vez disso, celebrar uma cultura de laços fortes com familiares ou amigos íntimos, que muitas vezes está ligada a níveis mais altos de religiosidade, ou ter um governo com maior corrupção e envolvimento menos democrático por parte dos cidadãos. E com certeza, no estudo, foram os países com as primeiras características que apresentaram as taxas mais altas de carteiras devolvidas.

Ainda assim, os autores alertaram, estas são apenas correlações. Mas se nossa propensão a devolver uma carteira perdida realmente indica o quão altruístas e morais podemos ser com estranhos, então talvez não sejamos uma espécie tão terrível quanto pensamos que somos. No mínimo, podemos estar subestimando nossa disposição coletiva de fazer o que é certo.

Em outros dois experimentos realizados pela equipe, eles estudaram uma amostra online de norte-americanos (299 voluntários no total), bem como economistas do país (279 no total), pedindo-lhes para prever o quão frequentemente as pessoas devolveriam uma carteira sem nenhum dinheiro, com US$ 13,45 ou com US$ 94,15. Ambos os grupos previram erroneamente que mais pessoas manteriam as carteiras se recebessem dinheiro, embora os economistas fossem um pouco mais precisos em suas previsões.

O principal objetivo das experiências era estudar e estabelecer um método para medir a honestidade cívica, disseram os autores. Mas o fato de pessoas comuns e até mesmo especialistas apresentarem previsões cínicas divergentes do resultado do estudo poderia ter implicações mais amplas. Se não somos tão insensíveis como supomos ser, por exemplo, talvez haja maneiras de aumentar ainda mais nosso senso de altruísmo social.